Inglaterra, Espanha, Alemanha e França contra ideia de elitizar a Liga dos Campeões e de a estender aos fins de semana. Ligas vão explicar aos clubes, à margem da ECA, o quanto têm a perder. A UEFA tem um furacão para acalmar e já fez saber que o sábado e domingo estão fora de discussão... hoje. E daqui a quatro anos?
Corpo do artigo
Quatro das cinco principais ligas europeias - Inglaterra, Espanha, Alemanha e França - já se pronunciaram contra a eventual elitização do quadro competitivo da Liga dos Campeões e a possibilidade de a prova ocupar parte dos fins de semana das épocas desportivas. As organizações reguladoras e representativas da indústria do futebol profissional, sob a liderança da European Leagues (Associação das ligas europeias), chamaram todos os emblemas para um encontro que decorrerá a 6 e 7 de maio, à margem da ECA (Associação Europeia de Clubes), um dia antes de uma reunião já agendada com a UEFA.
Após as bombásticas notícias de que A ECA e a UEFA estariam a "cozinhar" uma reestruturação da Liga dos Campeões a partir de 2024, transformando-a numa competição mais fechada e elitizada, estão definidos os principais opositores a tal transformação: a Premier League (Inglaterra), a LaLiga (Espanha), a Bundesliga (Alemanha) e a Ligue 1 (França). O organismo português também já se pronunciou pela defesa dos campeonatos domésticos e pelo acesso à Champions centrado no desempenho desportivo da época.
1114169537988108289
Poucos dias após a assembleia-geral da European Leagues, que decorreu em Lisboa, a 5 de abril, as principais ligas revelaram sintonia no discurso. O espanhol Javier Tebas, que tem sido o principal porta-voz do confronto com a ECA, está agora secundado pelos presidentes das principais competições domésticas. Dois dias após o encontro na capital portuguesa, a Premier League comunicou oficialmente, em nome dos seus 20 emblemas, "reais preocupações sobre o formato e os critérios de qualificação" da Champions que estão a ser ponderados para 2024/25.
O texto gerado após reunião com as 20 equipas da Premier League, revela que houve "unanimidade ao concordarem ser inapropriado que a governação europeia do futebol crie planos que alterem as estruturas, os calendários e a competitividade dos campeonatos nacionais", avisando que irão trabalhar "em união para defender a Premier Legue". "Na Inglaterra, o futebol tem um papel importante na cultura e no quotidiano", rematam.
Uns dias antes, Peter Peters, vice-presidente da DFL, a liga alemã, também se posicionou como opositor de quaisquer planos revolucionários na competição: "Até ver, as competições da UEFA são um suplemento considerável ao nosso produto nuclear e mais importante, que é - e sempre será - a Bundesliga".
Ontem foi a vez da liga francesa (LFP) tomar posição. Citada pela agência Reuters, revelou "sérias preocupações" sobre os planos noticiados em todo o mundo, afirmando que os mesmos "ameaçam a competitividade desportiva e financeira das ligas domésticas" no continente.
1115958958202793984
A elitização da Liga dos Campeões pressupõe, segundo os seus opositores, o aumento exponencial do fosso financeiro não só entre emblemas mais poderosos e os restantes, mas também ao nível do (des)equilíbrio competitivo entre as ligas nacionais. Fica em causa, segundo as ligas europeias, não só a questão económico-financeira, mas também a perda do equilíbrio competitivo que garante a paixão pelo futebol.
Em declarações a O JOGO, na passada semana, Alberto Colombo, secretário-geral adjunto da European Leagues, sintetizou os motivos da oposição ao alegado acordo entre a UEFA e a ECA: "As ligas defendem os valores básicos do modelo desportivo europeu, baseado nos méritos desportivos, acesso definido em pirâmide estrutural com todos os clubes na base da sua estrutura e em que todos os clubes podem sonhar em atingir o topo".
O que está em causa? Um modelo, cujos contornos não são conhecidos mas cuja motivação foi exposta pela imprensa de todo o mundo, que elitiza a Liga dos Campeões e que pode alterar o ecossistema do futebol europeu de forma transversal. O anúncio da ECA, no passado dia 26 de março, de que pretende discutir um modelo fechado de Liga dos Campeões, cujo acesso se faça com subidas e descidas entre 32 emblemas (divididos por oito grupos) fez soar os alarmes dos que defendem a meritocracia desportiva e a vacatura da prova distribuída pelo atual ranking, cujos critérios mantêm alguma diversidade de países representados.
Os planos passam por uma Champions disputada por quatro grupos de oito equipas, o que implica ter de ser disputada ao longo de 14 jornadas, mais oito semanas de competição do que as atuais seis.
Desconhece-se oficialmente a fórmula de acesso que a ECA pretende ver debatida no seio da UEFA, mas a poderosa associação de clubes poderá estar a pensar numa fórmula que implique um modelo mais fechado, com promoções e despromoções dentro do próprio. As ligas europeias, sabe o O JOGO, desconfiam que esse acesso possa ter por princípio um processo de elitização, que manteria, a partir de 2024/25, a grossa parte dos 32 emblemas qualificados para a última fase de grupos da Champions do ciclo 2021/24, abrindo algumas vagas entre os últimos classificados.
Desconhece-se, também, se as hipotéticas vagas se preencherão num modelo mais orgânico entre a Liga dos Campeões e a Liga Europa 1 (a partir de 2021 já há Liga Europa 2) ou se através de critérios de ranking (histórico, desempenho desportivo na época nas ligas domésticas, etc). A própria ECA, quando anunciou estar a preparar uma proposta de reformulação da Champions, não deu detalhes sobre a matéria.
A proposta em discussão na ECA foi denunciada em meados de março pelo diário norte-americano Wall Street Journal. Segundo aquele periódico, os planos passam por uma Champions disputada por quatro grupos de oito equipas, o que implica que essa fase tenha de ser disputada ao longo de 14 jornadas, ou seja, com mais oito semanas de competição do que as atuais seis.
Daí a vertigem pela disputa das mesmas ao fim de semana, ao que as ligas europeias dizem perentoriamente "Não!". Aliás, os campeonatos inglês e espanhol, por exemplo, têm 20 equipas e perder um único fim de semana para campeonatos que já têm de se estender por alguns dias da semana seria complicadíssimo.
1113856256723378177
No passado dia 4, o próprio Aleksander Céferin, presidente da UEFA, veio a público afirmar: "Não discutimos fins de semana, para que fique claro de uma vez para sempre". E sublinhou: "seria insensato". O que, aliás, corrobora em parte o que próprio afirmou em entrevista exclusiva a O JOGO, ainda em fevereiro: "Se jogarmos competições europeias, todo o ano, ao fim de semana, isso prejudicará, ou destruirá mesmo, as competições nacionais, em especial nos países mais pequenos". E só em parte porque "todo o ano" não invalida partes do ano. A seu tempo.
Portanto, a elitização através de uma qualificação condicionada por subidas e descidas dentro da própria competição, o desequilíbrio competitivo e financeiro e o "apetite" por jogos da Champions ao fim de semana são "condimentos" que as ligas nem querem ouvir falar, razão pela qual convocaram para 6 e 7 de maio uma reunião com os clubes, à margem da própria ECA, nas vésperas do seu encontro com a UEFA (dia 8, na sede do organismo, em Nyon, na Suíça).
Importa saber se FC Porto, Benfica, Sporting, Braga e Marítimo, representantes lusos na poderosa associação de clubes europeus, estarão alinhados com a Liga.
A ECA, por seu turno, é liderada pelo presidente da Juventus, Andrea Agnelli, e tem por aliados próximos o Paris Saint-Germain (França) e o Bayern de Munique (Alemanha), entre outros. Parece ter perdido apoio dos principais emblemas ingleses, mas resta saber como votarão, em momento a definir, os "Big Six" ingleses com assento na associação: Manchester City, Liverpool, Arsenal, Manchester United, Chelsea e Tottenham.
Do mesmo modo, importa saber se FC Porto, Benfica, Sporting, Braga e Marítimo, representantes lusos na poderosa associação de clubes europeus, estarão alinhados com a Liga portuguesa, sobretudo depois de Pedro Proença, o atual presidente [nota: haverá eleições antes do início da próxima época], ter alinhado o seu discurso com o dos contestatários à ECA.
A liga italiana, entre as maiores, é a mais discreta do momento. Pode ser relevante, para o caso, o facto de Andrea Agnelli, presidente da ECA, ter lugar à mesa do Comité Executivo da UEFA, tal como Nasser Al-Khelaifi, o catariano presidente do PSG. É certo que são apenas dois em 20 membros do topo governativo da UEFA, mas poderão, ali, jogar o trunfo dos milhares de milhões de euros ou de dólares.
Porque, conforme também amplamente noticiado, há grupos económicos poderosos interessados em investir os tais milhares de milhões na Champions, com o foco na norte-americana Relevant Sports, há muito envolvida em negociações com os principais emblemas da Europa, alguns dos quais participam na International Champions Cup (ICC), torneio de verão por convite que se disputa nas Américas e na Ásia, com honorários milionários. Entre eles estão Benfica, Real Madrid, Juventus, Tottenham, Manchester United, Milan, Bayern de Munique, Arsenal, Roma, Inter de Milão, Atlético de Madrid e Deportivo Guadalajara.