Associações de clubes e ligas europeias em guerra aberta por causa da Liga dos Campeões. Emblemas mais poderosos não querem os restantes em reunião do organismo que representa as competições domésticas.
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Afinal, o que interessa a guerra aberta entre duas instituições intimamente ligadas, como o são a ECA (Associação dos Clubes Europeus) e a European Leagues, que representa as ligas do Velho Continente? Esta conflitualidade, mais visível desde sexta-feira, dia em que se conheceu a correspondência de ambos enviada a todos os emblemas de todas as ligas, irá gerar a reformulação ou a revolução dos princípios das competições europeias entre clubes a partir de 2024.
O mercado até pode jogar com as paixões, mas quanto maior é esse mercado, menor será o perdão quando as audiências não renderem.
A revolução, querem-na os emblemas mais poderosos, com mais poder financeiro, e, até entre estes, uns mais do que outros. Refira-se, a propósito, que há cinco representantes portugueses na ECA (FC Porto, Benfica, Sporting, Braga e Marítimo). A reformulação, essa fica do lado da European Leagues (que integra a liga portuguesa), que, por exemplo, quer mais solidariedade financeira através de mecanismos que "taxem" as competições a favor dos emblemas que nelas não participam. Uma indústria estranha, esta, em que as associações patronais (as ligas) estão contra as motivações dos seus mais emblemáticos patrões.
As ligas espanhola, inglesa, alemã e francesa (a portuguesa também), entre as mais relevantes, já se pronunciaram contra os planos da ECA em transformar a Liga dos Campeões numa prova fechada, de elites, com promoções e despromoções. Quebrará, argumentam, o equilíbrio desportivo e será um desastre para as ligas domésticas, sobretudo para as médias (como a nossa) e as pequenas. mas dizem mais: os propósitos da ECA, com vista à Champions a partir de 2024, acabarão com o sonho de qualquer equipa em disputar o maior de todos os títulos, por via do mérito desportivo.
Não será à toa, que a personalidade que mais dá a cara pela Liga dos Campeões mais elitizada é o presidente da Juventus, Andrea Agnelli, um empresário/gestor de uma das mais importantes marcas da poderosa indústria italiana: a FIAT. E ele sabe como ninguém que, no futebol como noutros mundos com as mesmas regras, ou se cresce ou se morre. Talvez por isso sejam, hoje, a FIAT e a Ferrari proprietárias da norte-americana Chrysler e Agnelli o dono delas todas (e de muito mais). Mas nada de mal, nisto. É só uma questão de todos saberem se é o mesmo que querem para o futebol.
a UEFA sabe que o seu mais relevante produto comercial, a Liga dos Campeões, precisa de rivalizar neste mundo globalmente dominado pelas receitas das audiências televisivas, nomeadamente dentro do próprio futebol
Por outro lado, também a UEFA sabe que o seu mais relevante produto comercial, a Liga dos Campeões, precisa de rivalizar neste mundo globalmente dominado pelas receitas das audiências televisivas, nomeadamente dentro do próprio futebol, numa altura em que a FIFA pretende avançar com o seu mundial de clubes, ou fora dele, fazendo face ao crescimento constante da NBA, da NFL, dos mundiais de boxe ou críquete, e até do poker.
Portanto, a ECA liderada por Agnelli pretende ver e fazer crescer os montantes (prémios e receitas de televisão, sobretudo) que justificam cada vez maiores investimentos nas estrelas e nas empresas que gerem os emblemas ou as carreiras dos jogadores. Faz sentido nessa lógica economicista. E faz ainda mais sentido para tanto investidor no futebol contemporâneo, tudo da alta finança e do poder económico.
Mas haverá sempre uma certa dose de ganância no ar, mesmo que justificada pelos critérios e mecânicas associados aos níveis de desenvolvimento de qualquer microcosmos (social ou empresarial) que depende do chamado crescimento económico setorial. Isto é, se se investem 100 e não se ganham 101, então não vale a pena. O problema é que nunca ninguém está satisfeito com percentagens mínimas nos lucros. E há - alguém tem dúvidas? - cada vez mais petrodólar, rublogás e arabescos dourados investidos nas equipas recheadas de estrelas.
Volto à pergunta: é isto que os gestores "modernos" das ligas e dos clubes médios e pequenos, em contexto europeu, pretendem? Convém que percebam, nesse caso, que tal afetará a eterna ligação do adepto ao seu clube. E que muitos emblemas fecharão como fecham as empresas que não conseguem vender o seu produto. O mercado até pode jogar com as paixões, mas quanto maior é esse mercado, menor será o perdão quando as audiências não renderem.
Ora, numa altura em que se debate a competitividade em Portugal, com a Federação Portuguesa de Futebol interessada em liderar um plano para fazer face aos nossos interesses na Europa - em termos práticos, tentar sacar o sexto lugar à Rússia - e com os clubes a torcerem o nariz a uma das medidas nesse sentido - a pausa de inverno -, como estar por dentro neste xadrez onde os nossos emblemas não podem ser meros peões?
Haverá sempre uma certa dose de ganância no ar, mesmo que justificada pelos critérios e mecânicas associados aos níveis de desenvolvimento de qualquer microcosmos (social ou empresarial) que depende do chamado crescimento económico setorial.
As reuniões de 6 e 7 de maio, em Madrid, para as quais a European Leagues convidou todos os clubes, serão mais um episódio para medir forças e posicionamentos. A ECA, que não foi convidada como instituição, mas que terá todos os seus representantes nesse encontro, contesta a realização do mesmo. E instou os seus associados a não se fazerem representar.
A European Leagues, por sua vez, elevou sexta-feira o nível dramático da ocasião. Lars-Christer Olsson, o sueco que preside o organismo, escreveu aos clubes dizendo que os encontros de Madrid servirão para todos os esclarecimentos possíveis, numa missiva onde afirma que a ECA não é a única representante dos clubes nos órgãos de tutela europeia, isto é, na UEFA (da qual já foi diretor executivo), reclamando parte desse papel para as ligas europeias.
Em resumo, pode ser importante estar no olho do furacão. Esse acontecerá nos corredores da UEFA, nos próximos tempos, onde tanto a ECA como a European Leagues têm assento, quer no comité executivo, quer nos comités de especialidade. Os portugueses também por lá andam. Resta saber em que barricadas.