CAN não mata, mas mói: os efeitos da perda de jogadores a meio dos campeonatos
Depois de um interregno em 2019, quando teve lugar no verão, a CAN volta a tirar jogadores aos clubes cujas competições não param. Um estudo da UEFA reconhece que a cedência de futebolistas "tem um impacto negativo" no desempenho das equipas, mas não é decisivo nas mesmas
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A CAN volta este ano a ser disputada no início do ano civil, depois de um interregno em 2019, quando foi realizada em junho e julho. Um fator que ameaça perturbar algumas equipas europeias, que a meio da realização das provas internas (campeonatos, taças e taças da liga) se veem privadas de ativos dos respetivos plantéis. Algo que também se verificou em 2017 e nas edições anteriores, se bem que, como O JOGO averiguou, os efeitos não tenham sido assim tão nefastos como à primeira vista se poderia pensar.
Segundo um estudo realizado para a UEFA pelo espanhol Levi Pérez, entre as edições de 2004 e de 2017, foram utilizados 488 jogadores diferentes (alguns em mais de uma edição) de 201 clubes das seis principais ligas europeias, incluindo a portuguesa. Os resultados das equipas em causa foram passados a pente fino por Pérez, que chegou à conclusão que "os resultados sugerem que a cedência de jogadores para a CAN tem um impacto negativo nos desempenhos das equipas", nomeadamente naquelas que perdem "mais futebolistas", ficando assim "em desvantagem" em relação às outras. O espanhol salienta, apesar disso, que o impacto geral em cada liga, enquanto um todo, "é pequeno", uma vez que os ausentes são substituídos por atletas que também querem mostrar valor e que muitas vezes acabam por conseguir compensar bem a ausências.
As cedências de jogadores para a CAN acabaram por não ter grande influência nas decisões mais importantes. Não decidiram campeonatos ou outros troféus. Pode é perceber-se que, algumas equipas, quer pela quantidade de jogadores cedidos, quer pela qualidade, tiveram quebras de resultados durante o período em que ficaram sem os internacionais de países africanos.
Na edição de 2017, por exemplo, o Leicester perdeu os influentes Amartey, Mahrez e Slimani, somando quatro derrotas na liga inglesa sem este trio. Quando o ganês e os dois argelinos regressaram, os triunfos voltaram também, com os foxes a somarem então cinco vitórias consecutivas.
Já na edição anterior, em 2015, algumas equipas francesas tiveram também piores resultados, elas que são habitualmente as que mais cedem jogadores às seleções africanas. Por exemplo, o Saint-Étienne não perdia na liga há dez jornadas e durante a CAN sofreu três derrotas e quatro empates sem Gradel, Diomandé e Florentin Pogba. Ou o Metz, que teve cinco baixas dessa vez, somando três derrotas e dois empates, o que teria a sua importância para a posterior descida de escalão que veio a verificar-se.
Mas nem só a quantidade tem influência. Por vezes, a qualidade até se faz notar mais. Foi o caso do Manchester City em 2015, quando Yaya Touré vinha de seis golos em nove jornadas e para a prova continental. Os sky blues estiveram depois quatro jogos seguidos sem vencer na Premier, acabando também eliminados da Taça da Liga nesse período sem o marfinense.
No mesmo ano, a Roma estava a fazer uma boa época, mas depois de perder Gervinho, Doumbia e Keita caiu a pique, com oito empates e uma derrota em 11 partidas.
Outra vítima habitual foi o Chelsea, que em 2013 teve quatro vitórias seguidas na Premier e, com o adeus de Moses e Obi Mikel, empatou dois jogos e perdeu outros dois. Já em 2008, os blues ficaram sem Essien, Kalou, Drogba e Obi Mikel, empatando logo duas partidas de enfiada (sem o quarteto), quando tinham tido quatro triunfos consecutivos imediatamente antes.
Mas estes são mesmo os exemplos mais gritantes, não havendo registo de causa/efeito capaz de atirar uma equipa abaixo para o resto da temporada. É caso para dizer-se que a CAN até pode moer, mas "matar" verdadeiramente, isso não o tem feito.
De Marega a Brahimi, passando pelos problemas defensivos
Ao analisarmos possíveis efeitos de cedências por parte de equipas portuguesas, deparamo-nos desde logo com o caso do avançado maliano Marega, que na altura a representar o V. Guimarães, ainda antes de se transferir para o FC Porto.
Antes da CAN, a equipa vitoriana atravessava o melhor período da época, com uma série de cinco vitórias e um empate e nesses jogos Marega só contribuiu com uma assistência, a contar para a Taça da Liga (que valeu um empate), apesar de já era o melhor marcador da equipa com dez golos. Na sua ausência, os minhotos a ganharam apenas dois de seis jogos, somando dois empates e duas derrotas, uma delas a custar a eliminação da Taça da Liga. De qualquer forma, dizer-se que esses resultados foram por culpa da ausência de Marega talvez seja exagerado.
Tal como aconteceu em 2017, em que Brahimi foi uma dor de cabeça para Nuno Espírito Santo. Nos últimos seis jogos antes da prova africana, o FC Porto somou quatro vitórias, um empate e uma derrota, com o argelino a marcar em três jogos seguidos, inclusive com um golo e uma assistência no 2-1 ao Marítimo, a renderem três pontos aos portistas. Logo no primeiro jogo sem o africano, os dragões não passaram do 0-0 com o Paços de Ferreira, mas o único problema dos dragões nesse jogo não terá sido apenas a ausência do argelino.
Mas nem só avançados saíram de equipas portuguesas para disputarem a CAN com as respetivas seleções. E como nem só de golos vive uma equipa, há defesas que ficaram mais vulneráveis com determinadas ausências. Em 2010, por exemplo, o Nacional e o Rio Ave sofreram na pele eventuais efeitos perniciosos desta prova. Isto porque, no caso dos madeirenses, o central Halliche, frequentemente titular, acabou por fazer falta, uma vez que a equipa somava três vitórias e uma derrota nos últimos quatro jogos e, durante a competição, apenas venceu um de sete encontros, sofrendo golos em barda (13).
Já no Rio Ave, a ausência do guarda-redes angolano Carlos Fernandes fez tocar as sirenes, com a equipa a sofrer nove golos em seis jogos, mais quatro do que tinha ocorrido nas cinco partidas anteriores.
CAN bate recorde no número de jogadores das principais ligas europeias
A CAN ainda não começou, mas já entrou na história por ter batido um recorde no número de jogadores participantes que competem nas principais ligas europeias (159) em comparação com as edições anteriores. Destaca-se a França, como tem sido habitual, por ser o país que tem mais futebolistas (56) a competir o Campeonato de África das Nações. Segue-se a Inglaterra (37), Itália (30) e, por fim, com o mesmo número: 12, Portugal, Espanha e Alemanha. Em comparação com as edições anteriores, regista-se um crescimento bastante acentuado, sobretudo se compararmos com 2004 e 2012 onde participaram 81 e 86 jogadores das principais ligas europeias, respetivamente. Nesta edição há várias estrelas que vão marcar presença como é o caso de Salah e Mané (ambos do Liverpool), Mahrez (Manchester City), Hakimi (PSG), entre muitos outros.
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