37.º aniversário d' O JOGO - Formado no FC Porto, onde foi companheiro de Sérgio Conceição, com quem viveu em Penafiel, o antigo médio acabou a carreira aos 40 anos, no Luxemburgo, onde tinha ainda um emprego.
Corpo do artigo
Reisinho foi internacional pelas seleções jovens de Portugal, campeão nacional de Juniores A, em 1992/93, pelo FC Porto, clube com quem teve uma longa duração. Era um dos jogadores mais promissores da sua geração e estava nos planos do falecido Carlos Alberto Silva para iniciar os trabalhos de pré-época no primeiro ano de sénior, mas o treinador brasileiro foi embora e o jogador iniciou uma série de empréstimos, acabando por só realizar cinco jogos no escalão principal do futebol português, no Leça, em 1995/96.
Em conversa com O JOGO, Reisinho, atualmente com 46 anos, assume que passou ao lado de uma grande carreira. "Sim, de certa maneira, sim. Na altura, na transição de juniores para os seniores, os jogadores eram um bocado abandonados em clubes que eram treinados por amigos e o jogador tinha pouca opção de escolha. Isto independentemente de fazermos uma boa época. A certa altura comecei a ir para clubes com problemas financeiros e de condições, que o próprio FC Porto podia desconhecer. Sentia-me um bocado abandonado e isso mexia psicologicamente comigo. Sentia que tinha capacidade para estar num patamar superior, mas de um momento para o outro estava num clube muito abaixo, sem ser acompanhado e com formadores que não são como os de hoje. Eram treinadores porque tinham sido jogadores", lamenta, encontrando mais algumas justificações para não ter dado o salto que o seu talento perspetivava.
"A motivação começou a baixar, até porque percebi que não chegava apenas ter qualidade. Por isso, incentivo os meus filhos a trabalhar, porque, se fosse só pela qualidade técnica, ninguém me segurava, mas não chegou. Vi muita gente chegar a patamares elevados e não foi pela questão técnica, foi pela capacidade de trabalho."
Em jeito de início de conversa, e para quem não viu jogar, o antigo médio apresenta-se. "Era um jogador muito técnico, muito forte no um contra um e no último passe. Para mim, o futebol era pura alegria. Quando comecei [no Arcozelo] era um 10 autêntico, mas quando cheguei ao FC Porto houve um jogo em que faltava um lateral-direito e acabei por jogar nessa posição. Fiz grande parte da formação a lateral-direito e fui internacional a jogar nessa posição. Quando cheguei aos seniores, fui jogando como médio de ataque, algumas vezes como extremo, apesar de não ser muito rápido, mas a técnica ajudava".
Reisinho brilhava nos Juniores A do FC Porto e o clube acredita no seu potencial, tendo-o colocado a "rodar" no Penafiel, na II Liga, juntamente com o defesa-central Ricardo Martins e o extremo Sérgio Conceição. Os três viviam juntos, tinham uma excelente relação, mas o agora treinador do FC Porto já tinha uma feitio muito especial "Em casa era um bocadinho chato", recorda Reisinho, entre gargalhadas. "Tinha as pancas dele, com as regras dele e queria tudo direitinho. Nós éramos um bocado abandalhados, mas ele não, era muito mais organizado e superdisciplinado."
Reisinho fez 21 jogos e marcou um golo pelo Penafiel, continuando contratualmente ligado ao FC Porto. Seguiram-se empréstimos a Felgueiras, Leça, Marco e Paços de Ferreira. Em 2000, já com 26 anos, e "farto do rótulo de "ele é bom, mas..."", foi à experiência a Inglaterra e assina pelo Plymouth, clube do terceiro escalão e onde atua duas épocas. Como o filho mais velho, Miguel, tinha nascido em 1999, decidiu regressar a Portugal para acompanhar o crescimento. Assinou pelo Gondomar e. no final da época, com 29 anos, pensou abandonar o futebol, mas recebeu um convite do presidente do Vila Meã. Além de gostar do projeto, era uma forma de estar perto de casa e da família. "Fizemos uma equipa muito boa, com jogadores em fim de carreira. Estávamos na III Divisão, fomos aos quartos de final da Taça de Portugal e subimos à II B", destaca.
Os três anos no Vila Meã voltaram a dar-lhe o prazer de jogar, mas também sentia que tinha de juntar algum dinheiro. Em 2006, já com 32 anos, emigrou para o Luxemburgo e começou a jogar no Progrés Niederkorn, passando ainda pelo Avenir, Diekirch, Union 05 e FC Alisontia Steinsel. Foram nove anos a conciliar o futebol com um emprego. Nas duas atividades, pagavam-lhe "muito mais do que em Portugal".
O esforço compensava, apesar de estar longe da mulher e do filho. "Como não falava francês, comecei a trabalhar num café. Depois, como já dominava a língua, trabalhei como segurança. Em Portugal o segurança é visto como um "animal"", que tem de intervir fisicamente, mas no Luxemburgo não, há um respeito muito grande", conta.
Num altura em que aperfeiçoou o francês, mudou de emprego. "Trabalhei ainda no Cour de Justice [tribunal] e fazia controlo de dados. Trabalhei também na imobiliária, algo que gosto imenso. O futebol deu-me a parte social de lidar com pessoas muito diferentes. O balneário é uma escola para a vida. Quem passa por lá fica "esperto".", refere o antigo médio.
Terminada a carreira, aos 40 anos, ainda admitiu iniciar a carreira de treinador, mais como adjunto, e chegou a tirar o curso, mas abandonou de imediato a ideia. "Não tenho espírito para aturar miúdos mimados e os pais dos jogadores que achavam que os filhos tinham sempre de jogar. Como nunca gostei de me chatear com ninguém, acabei por desistir", justifica, revelando que depois de regressar a Portugal, em 2015, ainda chegou a fazer scouting para alguns clubes onde tinha antigos companheiros. Uma área que, garante, considera que tem jeito e que lhe agrada.
Filhos futebolistas e com jeito
Orgulhoso pela carreira dos filhos, Reisinho manteve-se ligado ao desporto através do padel. Muito ligado à família e aos amigos, Reisinho acompanha de perto a carreira dos filhos, ambos jogadores. Miguel, o mais velho, tem 22 anos e joga na equipa principal do Boavista, enquanto Tiago tem 16 anos e representa os Juniores B do Benfica. "Os dois são esquerdinos. Saem à mãe", conta, bem humorado, o progenitor.
Reisinho tem um orgulho enorme nos filhos e acredita que podem chegar longe. "O Miguel tem uma qualidade enorme. Teve a infelicidade de sofrer uma lesão grave, mas vai disparar quando voltar", perspetiva, destacando ainda Tiago. "É um médio-defensivo com muita qualidade. Se foi detetado pelo departamento de scouting do Benfica é porque tem valor. É um miúdo determinado."
E foi precisamente por influência de um dos filhos, no caso o mais velho, que Reisinho abriu a Padelfiel, onde é sócios-gerentes. "O meu filho convidou-me para jogar padel, gostei tanto e fui avaliar o negócio. Vi que é um desporto em crescimento e abri o negócio juntamente com dois amigos de infância, o Artur Alexandre e o Leonel Viana. Estamos contentes, está a correr bem e continuamos com o espírito do desporto", justifica o antigo médio, que vive em Vila Meã, perto de Penafiel.
Carlos Mariano: "Era um predestinado"
Atualmente a trabalhar na Gestifute, o antigo lateral-esquerdo fala de um um jogador que estava acima dos restantes e que tinha uma forma peculiar de pensar e de estar.
Carlos Mariano jogou com Reisinho nos Juniores A do FC Porto e fala de "um predestinado". "Era um jogador diferenciado dos outros, pela qualidade técnica e pelo entendimento do jogo. Estava claramente acima dos restantes. Como se diz na gíria do futebol, quando estávamos enrascados, era a ele que passávamos a bola", recorda, reconhecendo que o antigo colega "tinha uma visão própria do que era o futebol."
Atualmente a trabalhar na Gestifute, o antigo defesa tenta encontrar justificações para que a carreira de Reisinho não tivesse o brilho que se perspetivava. "Ele melhor do que ninguém poderá dizer porque não chegou mais longe, mas, se calhar, faltava-lhe aquela disponibilidade que era necessária, porque não chega ter talento. No final do percurso ele é que podia fazer essa pergunta: "onde é que eu podia ter chegado se tivesse feito as coisas bem"? Do ponto de vista dele, enquanto atleta ele fazia sempre as coisas corretas, se calhar os outros é que estavam errados. Tinha uma forma peculiar de pensar e de estar".
Nuno Afonso: "Talento incrível"
Nuno Afonso foi colega de Reisinho nas seleções jovens e no Paços de Ferreira, em 1998/99. "Reconhecia nele um talento incrível e capacidade para ter uma carreira diferente,mas não sei as causas para que tal não tivesse acontecido. Não sei se foi falta de cabeça, falta de acompanhamento, excesso de confiança, alguma injustiça de um treinador quando está a começar a carreira e, a partir daí, quando não triunfas começas a descer e é difícil subir", justifica o defesa-central formado no Benfica, para quem a rivalidade não existia. "Na seleção, era dos meus melhores amigos. No Porto, ficava até muitas vezes em casa dele. É superdivertido e boa pessoa. Sempre tive uma boa relação com todos os jogadores independentemente de serem do FC Porto ou do Sporting. Isso também era muito a cultura daquela época do Carlos Queiroz. Na seleção ninguém sentia que havia rivalidade", destaca.
14611922