Márcio Sousa condenado por excesso de talento: "Nunca tive ninguém para me aconselhar"
37.º aniversário d' O JOGO - Tinha a alcunha de Maradona, brilhou no título europeu de sub-17 e nunca teve empresário. Não passou da II Liga.
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No dia 17 de maio de 2003, Márcio Sousa saiu do Estádio do Fontelo, em Viseu, com um sorriso rasgado, uma confiança inabalável e uma esperança parecida com certeza de que tinha uma carreira de sonho à sua espera.
Afinal de contas, com o número 10 nas costas, o esquerdino, ainda sem barba, tinha acabado de despedaçar a favorita Espanha na final do Campeonato da Europa de sub-17, ajudando Portugal a conquistar o troféu com dois golos marcados a Antonio Adán (esse mesmo, o atual guarda-redes do Sporting), suficientes para anular o remate certeiro de David Silva, o médio que mais tarde brilharia no Manchester City e na La Roja.
Para a história ser ainda mais prometedora, falta dizer que, naquela altura, o promissor jogador já carregava a alcunha de Maradona, tal era a magia que saía do seu pé esquerdo, numa equipa que tinha jogadores como Miguel Veloso, João Moutinho, Vieirinha e Paulo Machado, entre outros. Dezanove anos depois, Márcio Sousa é assistente administrativo numa empresa, o primeiro emprego desde que pendurou as chuteiras após uma carreira que nunca passou da II Liga. Esta é a história de um jogador que prometeu muito e que, por uma razão ou por outra, não deu o salto para palcos com holofotes mais potentes.
Formado no Vitória e no FC Porto, num trajeto de mãos dadas com o amigo Vieirinha, Márcio Sousa ficou à porta da equipa principal dos dragões e não passou dos bês, isto numa altura em que José Mourinho orientava um conjunto de luxo, com conquistas históricas em Sevilha e Gelsenkirchen. "Cheguei a ser convocado para um jogo do FC Porto na Taça de Portugal, em 2004", conta, antes de admitir uma possível falha na carreira. "Nunca tive empresário. Eles não fazem milagres, mas ajudam a vender o produto. No início as coisas estavam a correr às mil maravilhas, porque com 16 e 17 anos já estava num patamar alto. Chegaram a falar com o meu pai, mas entendemos que não era oportuno ter empresário. Na altura, o José Veiga era o mais conhecido e o Jorge Mendes estava a começar. Ainda houve conversas com a Gestifute, mas não se concretizou. Por outro lado, quando estava na formação e na equipa B do FC Porto não se apostava nos jovens como agora. Havia dinheiro para outro tipo de contratações e o FC Porto também tinha uma super-equipa, era quase impossível um jovem da formação entrar lá." O último degrau de acesso ao escalão principal revelou-se, naquela altura, demasiado alto e Márcio Sousa seguiu para o Covilhã, Vizela, Rio Maior, Nelas, Penafiel e Esmoriz, sempre nas divisões secundárias, antes de parar em Tondela, na época 2010/11. Bem antes chegou a ter um convite para ingressar num emblema da Championship, passo que optou por não dar e que poderia ter alterado o rumo do jogador. "A opção foi tentar ficar na I Liga. Nunca tive ninguém para me aconselhar, nenhum empresário, fui sempre eu a tratar das minhas coisas."
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Apesar de reconhecer que podia ter tido um trajeto futebolístico superior, Márcio Sousa diz que ficou confortável com o que fez. "Mágoa pela carreira que fiz? Não, essa é uma palavra muito forte. Tinha capacidades para jogar em qualquer equipa da I Liga, mas não aconteceu. Deixei marcas em alguns clubes e isso já foi um privilégio." Conhecido desde muito novo por Maradona, o ex-jogador, agora com 35 anos, reconhece que a alcunha foi mais prejudicial do que vantajosa. "Com 13 e 14 anos eu já era muito conhecido. Uma vez, o presidente da União de Leiria ligou-me a dizer que gostava de contratar-me e pensou que eu já tinha 30 anos. Tinha 23", conta. O Tondela foi o clube em que Márcio Sousa mais tempo ficou: cinco épocas. O ex-jogador saiu, por acabar contrato, na temporada em que a equipa beirã conseguiu a subida à Liga (2014/15) e seguiu para o Farense, que estava na II Liga, vestindo mais tarde as camisolas do Lusitano VRSA, Limianos, Moncarapachense, Torcatense, Ninense, Vilaverdense e Os Sandinenses, clube perto da terra natal, onde terminou a carreira na temporada passada. "Já estava destinado não jogar na I Liga. Mas corri o país todo e as amizades que fiz, muitas delas para a vida inteira, marcaram-me. E conheci a Europa nos torneios das seleções".
Um encanto para os treinadores
António Violante, o selecionador que conduziu Portugal ao título europeu de sub-17, desmistifica a ideia muitas vezes transmitida das gerações de ouro. "Isso é uma invenção. Eu sempre disse aos meus jogadores que deviam estudar, porque só um ou dois conseguem chegar aos patamares mais elevados. O Márcio Sousa era muito bom jogador, inteligente e com um pé esquerdo brilhante, mas não teve sorte. E isso é preciso na gestão das carreiras", avalia o ex-selecionador.
Vítor Paneira também conheceu bem Márcio, quando o orientou no Tondela. "Era um jogador extraordinário, mas talvez acomodado à qualidade que tinha; dava a ideia de ser desligado e também era um pouco fechado. Podia ter sido um caso sério no futebol. Com um pouco mais de trabalho e com compromisso podia ter chegado longe. O futebol era algo natural para ele. Era um pequeno Maradona, um dez que decidia jogos e que era adorado em Tondela", sublinha o treinador.