Tem murais pintados em mais de 40 cidades, inclusive no Porto, cidade onde nasceu. Mr.Dheo, um dos mais conceituados graffiters do mundo, prefere não revelar o seu verdadeiro nome nem mostrar o seu rosto sem máscara. Mas exibe, orgulhoso, o seu trabalho, que é pretendido por algumas estrelas do futebol mundial.
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Se fosse jogador de futebol, Mr.Dheo seria provavelmente um número dez criativo e capaz de fazer magia, tal como o faz com latas de spray que se traduzem em impressionantes graffitis. É a esta arte que Mr.Dheo se dedica profissionalmente há 15 anos de forma contínua, sempre com a preocupação de preservar a identidade, tal como explica o "writer" à J.
"Quero que as pessoas se foquem no meu trabalho e não propriamente em quem o faz. Vivemos numa sociedade onde muitas vezes a imagem se sobrepõe ao talento, obviamente que não me escondo nem a minha identidade é um segredo, mas, quando me é possível preservar, opto por fazê-lo". Parte do pseudónimo "Mr.Dheo" tem raízes ligadas ao futebol: o graffiter foi jogador federado dos sete aos 18 anos, é adepto ferrenho do FC Porto e os amigos, por graça, chamavamlhe "Mister". Quanto ao "Dheo", explica: "quando pensei num pseudónimo, queria um nome que fosse difícil de ver repetido no mundo da arte urbana e acabei por juntar quatro letras um pouco ao acaso."
SUPERMARIO FÊ-LO EXPLODIR
Sem que a sua capacidade se esgote na pintura de murais, Mr.Dheo, que não quis enveredar pela arte convencional por se sentir "livre" na pintura de graffitis sem obrigações comerciais, consegue ser um Harry Potter, não como Quaresma a sacar de trivelas, mas a personalizar algo que é indispensável para os jogadores de futebol: chuteiras. Fê-lo, pela primeira vez, em 2010, e a partir daí captou a atenção de outros astros.
"Em 2010, fiz o meu primeiro trabalho com o FC Porto, que consistiu em personalizar umas chuteiras e uma caixa para oferta ao Arsenal num jogo da Liga dos Campeões. Quando publiquei esses dois trabalhos nas redes sociais fui contactado para fazer exatamente o mesmo para o Mario Balotelli. Tirei uma foto caseira assim que terminei e, minutos depois, o Kompany, que recebeu a foto através do Balotelli, publicou no Instagram." "Em 24 horas as chuteiras eram notícia em 86 países...", acrescenta. E a partir daí não parou, chegando a ser convidado para decorar paredes de casas de outros jogadores. Porém, um dos momentos altos dos trabalhos ligados ao desporto veio com o clube do coração.
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Foi em 2013, na apresentação do Dragão, então treinado por Paulo Fonseca, que homenageou João Pinto, Vítor Baía e Aloísio [foto em baixo]. "Foi memorável, não só porque terminei uma tela ao vivo na festa da apresentação do plantel, em pleno relvado e com o estádio cheio, mas também tive a oportunidade de homenagear três figuras emblemáticas do meu clube", explica o artista que tem também a sua criatividade eternizada à entrada do museu dos portistas.
Em abril de 2015, numa visita a Miami, nos Estados Unidos, Mr.Dheo acrescentou a vertente solidária à personalização de chuteiras. "Em abril foi-me apresentado um membro de uma instituição de caridade em Seattle, que me propôs uma parceria com os Seattle Sounders e com o Clint Dempsey, para um leilão de angariação de fundos para a instituição. As chuteiras foram leiloadas por 3500 dólares [cerca de 3200 euros] e o dinheiro reverteu a favor de crianças desfavorecidas." Os trabalhos com jogadores permitiram ao graffiter criar relações pessoais com alguns deles, que o artista valoriza. "Há reações que me marcaram mais, acima de tudo pela ligação pessoal que fui criando com eles. O que me move é o lado humano, não o facto de serem jogadores ou figuras públicas", vinca.
DESVALORIZAÇÃO NACIONAL "ENTRISTECE"
Com três anos, Mr.Dheo já copiava frases de jornais e revistas e desenhava sozinho. É na rua que diz encontrar a liberdade expressionista que tanto o fascina no graffiti; na rua pode chegar "a todo o tipo de público". Em dezembro, três jovens morreram colhidos por um comboio enquanto graffitavam as carruagens de outro. Mr.Dheo lamentou o sucedido no Facebook porque via neles "a mesma paixão que tinha há 15 anos", quando considerava ser "impensável" poder viver do graffiti.
"Tinha os sonhos normais de qualquer jovem que se dedica a algo, mas estava longe de imaginar que poderia correr mundo uns anos depois. Não se faziam trabalhos, o dinheiro nem tão-pouco chegava para os sprays", lembra. Hoje, vive numa roda-viva de viagens entre vários países e confessa que gostaria de ter mais reconhecimento do país que o viu nascer.
"Não podemos comparar a nossa qualidade de vida e o nosso poder de compra à economia fora de Portugal, acho perfeitamente natural que surjam mais oportunidades além-fronteiras. O que me magoa é sentir que cá não me dão o mesmo valor", declara. Porém, da Invicta, onde nasceu, veio a oportunidade de colorir a cidade.
"Sempre pintei no Porto, mas nunca tive a possibilidade de o fazer em grande escala, fruto de 12 anos de anticultura na cidade. Felizmente o novo executivo trouxe uma mentalidade aberta, que valoriza as artes e os artistas locais, e a política retrógrada que existia foi finalmente quebrada. Em 2014, fui convidado para pintar o primeiro mural oficial da cidade que se encontra na Trindade."
A aposta portuense na arte urbana através do graffiti é motivo de orgulho para o "writer" que considera Portugal a evoluir "a um ritmo mais lento do que a maioria dos outros países". "Compreendo que nem tudo o que se vê agrade, mas temos de perceber que nem tudo o que é feito a spray deve ser considerado graffiti", opina.
As pinturas urbanas tendem a suscitar diferentes reações de quem as vê, mas a generalização é um caminho que o artista espera que os portugueses evitem. "O graffiti vai sempre ter a sua parte ilegal, faz parte da sua essência e da sua história. Não vai deixar de existir, está presente em qualquer cidade e é impossível controlá-lo. Não devemos é colocar tudo dentro do mesmo saco, porque em qualquer área temos um lado bom e um menos bom. Há, sem dúvida, uma grande componente artística que deve ser valorizada e alimentada, e prova disso é a posta que as grandes metrópoles mundiais estão a fazer na arte urbana, inclusive com artistas nacionais a serem convidados com bastante frequência", assinala.
Por agora, Mr.Dheo já soma mais de 40 cidades internacionais por onde deixou a sua marca. E se temos os melhores jogadores do mundo no futebol, futebol de praia e futsal, um dos melhores graffiters do mundo também é português: Mr.Dheo.