Os longos cabelos louros e os olhos azuis continuam a enganar quem se cruza com ela na rua. Nos aeroportos, é comum meterem conversa cem inglês. Joana Schenker, 28 anos, é filha de pais alemães, mas nasceu em Portugal e foi nas ondas da Costa Vicentina que, em tenra idade, começou uma carreira bem-sucedida no bodyboard, coroada, este ano, com o segundo título europeu consecutivo.
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A personalidade da Bifa, alcunha que não carece de grandes explicações, foi moldada na pacatez de Sagres, onde reside. Influenciada pelos amigos, Joana decidiu experimentar a modalidade aos 13 anos. "Não me lembro da primeira onda, mas é sempre uma sensação de felicidade difícil de explicar. Devo ter ficado com aquele sorriso na cara", contou.
Desde então, Joana nunca mais parou e recorda o apoio incondicional da mãe, que a levava até aos areais do Algarve. "A nossa casa não era próxima da praia e a minha mãe ficava lá a ver-me na água e justificava-me as faltas", conta, com uma revelação inesperada em relação às aulas de Educação Física. "Detestava. E do quinto ao nono ano não as fiz. Tinha sempre 1, mas as boas notas nas restantes disciplinas nunca puseram em causa a minha passagem de ano."
Muito organizada, enquanto os colegas faziam os exercícios, Joana limitava-se a assistir às aulas e aproveitava o tempo para estudar ou fazer trabalhos de casa. "Os meus colegas achavam que eu tinha a mania e o diretor da escola até chamou a minha mãe por causa da minha rebeldia. Nunca gostei de fazer nada por obrigação."
Com o pensamento no mar, aperfeiçoou técnicas e sagrou-se tricampeã nacional de juniores entre 2003 e 2005. Hoje, Joana, a mais velha de quatro irmãs, procura passar pelo menos uma horinha diária na água, nem que seja para "picar o ponto". Quanto a sustos, foram poucos. "Já me aconteceu estar no mar e querer sair, apanhar uma onda para voltar para terra, mas nunca entrei em pânico. As ondas assustam sempre, mas à medida que evoluímos, gerimos o receio", diz, lembrando que tubarões, só mesmo pela televisão. "Ainda bem que em Portugal não há ataques de tubarões. Se tivesse de surfar noutras águas, não sei se fazia bodyboard", atira, ainda com o ataque sofrido pelo surfista Mick Fanning na memória.
Um treinador em casa
Para a revalidação do título europeu alcançado no mês passado na Madeira, foi essencial Francisco Pinheiro, treinador e namorado de Joana há 13 anos. "É um dos praticantes mais antigos e uma lenda por aqui. É o responsável por tudo o que ganho e também muito crítico, no bom sentido. Está sempre a puxar por mim, acha que consigo fazer melhor e é quem mais me apoia", diz. Há, no entanto, momentos em que a vontade da atleta da Associação de Bodyboard de Sagres é tapar os ouvidos. "Já me aconteceu estar farta de ouvi-lo, mas ele quer o melhor para mim e sofre mais do que eu nas provas", diz sobre o responsável pelas fotografias publicadas nestas páginas (a J quis marcar uma sessão fotográfica, mas Joana pediu para usarmos as de Francisco Pinheiro).
Restaurante vegan na calha
Além do bodyboard, Joana adora cozinhar e diverte-se a reinventar pratos vegetarianos, ou não tivesse adotado este modo de alimentação desde os dez anos. "Há dois anos, tornei-me vegan e não como nada de origem animal. É muito saudável", conta a atleta que adora a natureza e cujo sucesso no mundo da culinária levou-a a partilhar receitas no Facebook, na página que criou com o nome "joschfood". "Muitas pessoas pediam-me conselhos e decidi explicar tudo, publicando várias receitas. Detalho alguns dos truques para tornar os legumes mais saborosos É também uma forma de divulgar a minha maneira de ver o mundo. Sou muito fixa neste tipo de ideias." A nível desportivo, Joana afirma sentir-se muito bem com este tipo de alimentação. "Nunca fico doente", garante. A bodyboarder equaciona mesmo abrir um restaurante quando se reformar da prática desportiva.
Estreia pela seleção no Mundial em dezembro
Apesar de ter nascido em Portugal, Joana só obteve nacionalidade portuguesa há um ano - tinha passaporte alemão e um cartão de residência português -, após um longo processo burocrático. Por isso, sendo tricampeã nacional (2013, 2014 e 2015), não viu, contudo, o título de 2013 ser-lhe reconhecido oficialmente. Recentemente foi chamada pela primeira vez para representar as cores da Seleção Nacional no Mundial ISA que se disputou em dezembro, no Chile. Joana sentiu alguma pressão pela estreia, um cenário adensado porque, há um ano, Teresa Almeida havia sido campeã mundial. "Ter sido escolhida foi uma responsabilidade acrescida, mas também foi um orgulho." Numa altura em que o surf nacional está em alta, o bodyboard também dá cartas e os resultados recentes das duas bodyboarders falam por si. "Estamos a evoluir muito. Nunca faltou talento nem qualidade aos atletas. O que falta em Portugal é melhorar o aspeto organizativo", resume, considerando a Costa Vicentina a "meca europeia do surf". "É muito mais bonito do que Peniche [risos]. Há imenso turismo de surf, centenas de surfistas que vêm para cá."
Quanto à próxima época, Joana espera conseguir obter patrocínios que lhe permitam fazer o circuito mundial, e pretende também revalidar os títulos nacional e europeu. A Câmara Municipal de Vila do Bispo tem apoiado a atleta financeiramente, mas é insuficiente segundo garantiu à J. "O orçamento anual para competir no circuito nacional e europeu ronda os seis/sete mil euros, valor que sobe para 15 mil no mundial."
Escrever em português e fazer contas em alemão
Apesar do sotaque algarvio, as raízes alemãs de Jini, como é conhecida entre os familiares, dão azo a algumas bocas, devido ao contexto político europeu. "Há muitas brincadeiras por causa da Angela Merkel e também a propósito do futebol, quando jogam as seleções, mas eu sou neutra. Sou mesmo 100% algarvia. Não me considero nem só portuguesa nem só alemã", reconhece. "Tento apanhar o melhor de cada cultura. Do lado alemão, nunca chego atrasada, sou muito pontual. Do lado português, sou descontraída e simpática. Falo as duas línguas, mas prefiro escrever em português e fazer contas em alemão."
Ao contrário dos tempos da infância, Joana já não vai com tanta frequência à Alemanha, onde tem familiares, mas recorda os Natais cheios de neve. "É muito mais giro por isso", desabafa, lembrando que além da noite de 24, a 6 de dezembro, dia de São Nicolau, também se recebe presentes. "Colocávamos uma bota à janela e, pela manhã, tínhamos lá um chocolate." Tempos que já lá vão, pois hoje, em Portugal, Joana costuma aventurar-se no mar, no dia 25 de dezembro.