Miguel Oliveira partilhou com a J, revista de domingo de O JOGO, os rituais que tem antes das corridas.
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Combater a ansiedade é um dos desafios de Miguel Oliveira horas antes de uma prova. O vice-campeão do mundo de Moto3, que para o ano vai participar pela primeira vez na categoria acima, a Moto2, ao serviço da Leopard Racing, costuma chegar à pista por volta das 7h15 e, para afastar o nervosismo, tenta manter-se ocupado antes de montar a sua mota e começar a acelerar.
"Em dia de prova já não há muito a planificar. O que faço, para me manter ocupado, é arrumar as minhas coisas montes de vezes. Limpo, arrumo tudo, de forma a tirar a minha cabeça da corrida", conta à J, o piloto, de 20 anos, natural de Almada.
O nervosismo, porém, não impede uma boa noite de sono, nem um pequeno-almoço bastante reforçado. "Tem de ser algo forte para aguentar o desgaste da corrida. Normalmente, às 9h30 estou a comer esparguete com peito de frango", revela.
Cardio e exercícios de equilíbrio
As provas de Moto3 realizam-se aos domingos, por volta da 11h, e as equipas começam a treinar com mais afinco em cima das motas a partir de quinta-feira. "É o dia de rever a telemetria com a equipa, fazendo o prognóstico do que vai ser o fim de semana. Analisamos bem as condições da pista e tentamos prever o desgaste dos pneus", relata Miguel Oliveira.
Contudo, o treino do motociclista não consiste apenas em acelerar em cima da mota. Há muito trabalho de preparação ao longo da semana, de modo a que o português consiga aguentar uma longa prova, que pode durar mais de uma hora.
"Parece que não, mas é um desporto que exige muito fisicamente. Nós fazemos a corrida praticamente deitados, uma posição que não é a mais confortável do mundo. Não é como estar no sofá. Também sofremos muito durante as travagens, porque reduzimos de 230 km/h para 80 e isso pesa muito no corpo", explica o piloto, falando sobre os seus treinos fora da pista.
"É preciso fazer vários exercícios de equilíbrio, exercícios com TRX, usando o peso do meu copo, também muito cardio, pois, durante as corridas, temos batimentos cardíacos muito elevados e a posição da mota não é a ideal."
Para participar na Moto2, uma categoria em que a mota é mais pesada, Miguel Oliveira precisa ganhar mais massa muscular e também engordar quatro quilos - tem 63 e precisa de ter 67.
O piloto da Leopard já testou a mota que o vai acompanhar na próxima época. "Foi estranho o primeiro contacto. Eu treinava numa mota semelhante, com o mesmo motor, mas, quando montei esta, tudo foi diferente e senti uma sensação estranha. Tem mais do dobro do peso, o dobro dos cavalos. Muda muita coisa, até a forma de abordar as curvas, que é muito mais Difícil. Vou ter de deitar fora o que aprendi nas categorias mais leves e aprender quase tudo de novo", reconhece o vice-campeão de Moto3, que, em novembro, esteve em Jerez de la Frontera (Espanha) a experimentar a mota que vai utilizar na próxima época.
Abecedários das asneiras
Miguel Oliveira esteve cinco anos no Moto3 e a despedida da categoria foi quase perfeita: terminou a época no segundo lugar, com 254 pontos, menos seis do que o primeiro classificado, o britânico Danny Kent. Foi uma época com seis vitórias em grandes prémios, triunfos que muitas vezes vieram em momentos de grande pressão.
Na altura de festejar, o piloto de Almada confessa alguns excessos de linguagem. "Costumo gritar um pouco de alívio por ter chegado ao fim e ter conseguido a vitória. Depois, vem o abecedário das asneiras todas", desabafa, confessando o que sente quando uma prova corre mal: "Nesses dias, não quero falar com ninguém, nem ver muitas pessoas."
Houve uma prova em particular que correu mal e podia ter comprometido a temporada. A 12 de julho, o jovem caiu no GP da Alemanha e fraturou o quarto metacarpo da mão esquerda. Os momentos antes de conhecer a extensão da lesão foram muito complicados. "Logo quando caí e me lesionei, sabia que tinha alguma coisa partida, até pelo aspecto do meu dedo, que estava mais avançado que o normal. Senti muita dor, vi logo que o fim de semana estava comprometido", lamentou Miguel Oliveira, que foi operado um dia depois da queda e recuperou a tempo da prova seguinte, em Indianápolis (Estados Unidos).
Concentrado nos seus rituais antes de uma corrida, o jovem Miguel tem pouco tempo para fazer telefonemas. "Falo com algumas pessoas que estão na pista, mas não tenho por costume ligar a ninguém. Nem antes nem depois da prova. Aliás, quando acaba é que costumo ter muitas chamadas não atendidas ... ", assegura.
Futuro dentista já dá conselhos
Ciente de que a carreira de desportista é curta, Miguel Oliveira já prepara o futuro fora das pistas e frequenta o primeiro ano de medicina dentária. "Sabia que queria trabalhar na área da saúde, mas medicina era muito banal. Não queria estudar seis anos para depois ser médico e passar o dia sentado numa secretária a passar receitas. Quero fazer algo mais prático, algo em que possa ver os resultados imediatos. Por isso, optei pela medicina dentária", explica este futuro dentista, que, por vezes a sério e outras vezes a brincar, já dá conselhos de higiene oral aos colegas. "Já disse ao meu mecânico que se prepare para fazer 16 implantes e para ter uma dentadura nova."
Nos poucos tempos livres que consegue arranjar entre as corridas e os estudos, o piloto deixa a mota na garagem. "No verão, quando está bom tempo, uso uma Scooter para ir à praia. Vivo na zona da Caparica e é um veículo mais prático", explica. No que diz respeito a carros, como qualquer jovem da sua idade, sonha um dia conduzir "um Ferrari, um Porsche ou Lamborghini", mas, por enquanto, desloca-se ao volante de um BMW. "É uma marca que tem bons contratos", justifica, com um sorriso no rosto.
Época festiva foi para descansar
Depois de uma época cansativa e desgastante, Miguel Oliveira aproveitou a quadra natalícia para descansar e retemperar forças para iniciar bem o próximo desafio da carreira, na Moto2. "Têm acontecido muitas coisas más no mundo e o Natal é uma época religiosa, em que devemos refletir sobre os nossos atos como seres humanos. Aproveitei para estar afastado das motas durante algum tempo, o que não é um problema", refere o motociclista, que aproveitou para conviver com a família.
O ano de 2016 está à porta e, em termos pessoais, Miguel Oliveira só tem um desejo. "Vem aí um novo desafio e espero poder vingar na categoria nova. É o meu objetivo principal. Outro desejo que tenho é que haja paz no mundo e saúde para toda gente", sublinha.
A estreia do português na Moto2 e ao serviço da Leopard Racing está agendada para 20 de março, no Catar. Nesta nova etapa da carreira terá como colega de equipa Danny Kent, seu grande rival em 2015.
(Artigo publicado na revista J a 27 de dezembro de 2015)