André Seabra é professor na Faculdade de Desporto da Universidade do Porto, especialista em estatística e investigador parceiro da FPF e da UEFA. O aumento do número de federados no futebol jovem é positivo, mas André Seabra diz que é preciso muito mais...
Corpo do artigo
Celebrou-se na passada semana, no dia 6 de abril, o Dia Mundial da Atividade Física. A Federação Portuguesa de Futebol (FPF) aproveitou a data para dar a conhecer o crescimento no número de praticantes federados de futebol e futsal nas camadas jovens:
- 2000/01: 77 mil federados
- 2005/06: 95 mi federados
- 2010/11: 119 mil federados
- 2015/16: 135 mil federados
O que traduzem estes números referentes às camadas jovens de federados?
São positivos e se, por um lado, confirmam a enorme popularidade que o futebol tem no nosso país - ou seja, é uma questão cultural -, por outro lado são resultado do trabalho que a Federação tem feito, nomeadamente nas áreas do futebol feminino e do futsal. De qualquer forma, estes números não refletem um fenómeno maior, que coloca a inatividade física entre as principais causas de mortalidade a nível mundial, segundo a Organização Mundial de Saúde [OMS].
Como assim?
As alterações que o mundo sofreu nos últimos anos fizeram com que, hoje em dia, já se morra pouco de doenças infecciosas e mais de doenças crónicas e degenerativas. Neste contexto, a inatividade física é responsável por 6% das mortes do mundo inteiro, depois da pressão arterial (13%), do tabaco (9%) e do elevado nível de açúcar no sangue (7%). Se nos centrarmos nas crianças e adolescentes, este problema da inatividade é alarmante - é um problema de saúde pública.
O que acaba de dizer não tem, de facto, muito a ver com o que está a acontecer no futebol federado português.
Segundo dados de 2015, mais de 80% das crianças e adolescentes entre os dez e os 17 anos de idade não cumprem as recomendações internacionais da OMS. O panorama é negro.
Trata-se de um problema recente ou que tem vindo a agravar-se?
Antigamente, as crianças e jovens mexiam-se mais porque tinham de procurar alimento. O estilo de vida mudou de há duas, três décadas para cá. O problema da inatividade física, ao contrário do que se possa pensar, é transversal a todos os lugares e pessoas.
Quais são as recomendações da OMS de que falou há pouco?
Todas as crianças e adolescentes devem realizar diariamente pelo menos 60 ou mais minutos de atividade física com as seguintes características: deve ser um esforço aeróbico com uma intensidade moderada a vigorosa. Ou seja, quando fazemos atividade física, o nosso coração deve bater depressa, acima dos 75% da nossa frequência cardíaca máxima. Além disso, a OMS sugere que as crianças e adolescentes façam ainda, três dias por semana, um esforço que provoque algum impacto nos músculos e aumente o conteúdo nos ossos. Infelizmente, os nossos meninos parece que, atualmente, só têm ossos nas mãos, por causa dos telemóveis...
Voltando à questão do futebol e ao crescimento do número de federados, se não existisse um português chamado Cristiano Ronaldo, os números seriam diferentes?
Não tenho qualquer dúvida. Sabemos que as referências populacionais são fundamentais na estratégia de promoção. É fundamental envolver figuras do desporto em programas comunitários. Ter Cristiano Ronaldo no futebol e Ricardinho no futsal, por exemplo, tem um impacto muito grande. Como terá impacto, por exemplo, se Portugal tiver sucesso no Euro"2016.
Qual a fronteira entre a atividade física para a saúde e o desporto de alta competição, que, como se sabe, não é assim tão saudável?
Neste momento não estou muito preocupado com essa questão. Costumo dizer a treinadores e jogadores: "Vocês não treinam sequer para dar saúde, como querem dar rendimento?" Infelizmente, a generalidade das crianças não cumpre sequer a recomendação dos 60 minutos diários. Estão sentadas a maior parte do tempo.
Sei que trabalha com crianças obesas. Quais os principais problemas que encontra no que toca à atividade física por parte dessas crianças?
O serem capazes de estar num balneário despidas, o fazerem um treino sem camisola, o relacionarem-se com os outros. As crianças obesas têm muitos problema de autoestima. É importante que os pais ajudem os filhos a escolherem um desporto de que gostem e que lhes proporcione prazer, divertimento e onde tenham a perceção de competência e sucesso.
SAIBA QUE
No dia da entrevista, André Seabra iria fazer provas de agregação na Universidade do Porto, mais um degrau no seu percurso académico. A conversa acabou por ser, em parte, o ensaio da aula que teria de dar, horas mais tarde, sobre "Atividade física em crianças e adolescentes: um comportamento decisivo para um estilo de vida saudável". Em 2013, André Seabra liderou um projeto, com o apoio da FPF e da UEFA, sobre o efeito do futebol recreativo na promoção da saúde e qualidade de vida de crianças obesas. Agora está a caracterizar o futebol feminino em Portugal, sector que tem crescido mas ainda só passou de "péssimo a mau", conforme referiu. Portanto, ainda há muito por fazer.