OPINIÃO - Ricardo Nascimento
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Este título parece um engodo ou um clickbait, como se diz na gíria online. Mas asseguramos ao leitor de que não é o caso. Claro que não vamos de falar de treinadores criminosos, mas sim do facto de os treinadores não terem um regime jurídico-laboral completo e específico e, nessa medida, estão à margem da lei.
É unanimemente reconhecido que um dos principais fatores de desenvolvimento do desporto é a qualidade dos recursos humanos que evoluem no seu seio, nomeadamente a dos treinadores desportivos. Os treinadores são um ator principal no palco desportivo moderno - amado nas vitórias e abjurado nas derrotas - e a atividade do treinador desportivo tem uma natureza e fisionomia próprias, em que o mais importante é a obtenção de resultados (desportivos e/ou económicos).
Todavia, apesar de tal protagonismo, não existe uma lei que regule as particularidades e especificidades da atividade profissional de treinador. Existe, sim, uma exigência legal de o treinador de desporto ser titular de uma carteira profissional, mas, depois, não existem normas específicas que regulem a sua relação de trabalho.
Na verdade, os nossos Tribunais têm dúvidas em aplicar o Código do Trabalho ou o Regime Jurídico do Contrato de Trabalho do Praticante Desportivo, apontando a lacuna legislativa tema desta crónica. Como todos sabemos, o praticante é o treinado, não o treinador. E o treinador tem de estar sujeito a regras diferentes do Código do Trabalho, pois este último não dá resposta às especificidades do contrato de trabalho dos treinadores. Basta pensar que os treinadores trabalham num período definido para a época desportiva, sendo os jogos disputados em fins de semana, pelo que moldam o exercício da sua prestação laboral ao funcionamento da própria competição. Tal terá influência no regime das suas férias, faltas e descanso.
A retribuição do treinador pode ser fixada numa parte fixa e noutra variável dependente dos objetivos desportivos e económicos. Entre outras diferenças, a liberdade de trabalho do treinador pode ainda ser restringida com as denominadas "indemnizações de transferência" ou até com cláusulas "anti-rivais" (estas últimas de legalidade duvidosa como já apontámos em crónica anterior).
Infelizmente, existem bastantes indefinições sobre o tipo de relação contratual que os treinadores mantêm com os seus empregadores: clubes ou sociedades desportivas que pretendem participar em competições desportivas profissionais. Trata-se, aliás, de uma profissão para a qual o ordenamento jurídico, em diferentes diplomas, oferece uma confusão terminológica, sendo muitas vezes designado de técnico, pessoal docente, atleta, praticante, agente desportivo, recursos humanos do desporto, etc.
Somos assim de opinião que, efetivamente, é necessário legislar no sentido da criação de uma regulamentação completa e específica para a relação jurídico-laboral do treinador desportivo. Este grupo profissional não pode, nem deve, estar em situação de desigualdade com os restantes participantes das competições, devendo ser absolutamente claros os direitos e deveres destes trabalhadores, que deverão ter direito a um contrato de trabalho especial. Há anos que tal é debatido na nossa doutrina e jurisprudência e já era tempo de os treinadores passarem a ser uns "dentro da lei".