A julgar por este mercado os clubes portugueses já não sabem comprar barato
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Antigamente, o manual de sobrevivência era simples: compra barato, vende caro. Procuravas talento com joelhos saudáveis, apuravas o remate e, no fim, lá vinha um cheque simpático. Em 2025, o futebol português acordou para outra realidade e nunca os três grandes gastaram tanto. Os 20 milhões viraram preço de prateleira. Não é teto, é piso. É o “bom dia” da negociação. A partir daqui, falamos. E a nova etiqueta é esta:
— “Quanto é o avançado?”
— “Vinte.”
— “Vinte quê?”
— “Vinte.” (pausa dramática) “Milhões”
E ainda há a versão gourmet: custa 20 + bónus por objetivos, mecanismo de solidariedade, taxa de vitrine, percentagem de mais-valia e um “agrado” ao empresário — tudo embrulhado numa apresentação em PowerPoint com setas coloridas, gráficos em 3D e música épica ao fundo.
A Liga Portugal bateu o recorde de investimento num único verão, acima dos 360 milhões de euros (valores fixos), e Portugal consolidou-se como um dos mercados mais ativos da Europa, logo atrás do colosso inglês. A maré subiu e os três grandes surfaram a onda.
Não é só inflação; é âncora. Número redondo, bonito, que dá manchete e estatuto. Os 20 M€ criam paz social: porquanto o adepto sente que o clube não foi assaltado, o dirigente carimba “gestão moderna” e o jogador sai com carimbo premium no passaporte. Resultado: o “barato” de ontem virou “mal vendido” hoje. E o “caro” passou a chamar-se… “normal”.
Felizmente há reciprocidade: também vendemos melhor. O contexto ajuda: regras financeiras mais apertadas lá fora, carteiras muito profundas noutros mercados e a perceção — justíssima — de que Portugal continua a ser o melhor hub de valorização da Europa. Nisto estamos todos de acordo, se alguém anda a vender talento pintado, nós vendemos talento lapidado: formação, minutos, vitrine europeia e treinadores que fazem milagres com orçamentos de mercearia. Se vale 9 em janeiro, vale 20 em julho. Milagre? Não: pura lei da oferta e da procura.
Há quem diga que isto é bolha. Pode ser. Mas também pode ser só o mercado a reconhecer o que o relvado já grita há anos: Portugal exporta futebol de alto valor acrescentado. E quando exportas qualidade, o preço de saída sobe para onde devia ter estado desde sempre. Se a Europa central aprendeu a pedir 30 por promessas, por que havemos nós de pedir 7,5 por certezas?
O lado bom desta nova bitola é pedagógico: obriga a planeamento (renovações atempadas, cláusulas sensatas), narrativa (vender o projeto, não só o jogador) e disciplina (não descer à primeira pressão).
O lado menos bom é que alguns vão confundir paradigma com mantra e recusar 17 + 3 em bónus só para manter o novo e emblemático “vinte” no título do jornal.
No fim, a moral é simples e feliz: se o talento é de luxo, o preço também. Os 20 milhões são a nova língua franca do mercado. E, quando o telefone toca, a resposta já vem com sotaque de quem vende trufa:
“Falamos a partir dos 20. Traz a caneta… e os bónus bem amarrados.”
Em suma, a julgar por este mercado os clubes portugueses já não sabem comprar barato, — compra-se caro. Vá lá que, por enquanto, ainda conseguimos vender alguns jogadores como artigo premium e gourmet... mas veremos quanto tempo dura esta luxuosa festa.