Uma opinião de Ricardo Nascimento
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No futebol português, a arte do “já-vou-mas-ainda-não” sempre teve escola. Minuto 89, equipa a ganhar pela margem mínima, o guarda-redes abraça a bola como se fosse o filho acabado de nascer, dois beijos, três passos de dança, queda aparatosa, massagista em ‘sprint’ de maratona… e o relógio a engordar.
Haverá estádios onde, aos sete segundos, o speaker porá um jingle; noutros, aos oito, toca a sirene do pavilhão da equipa de hóquei
Agora, acabou a poesia: a IFAB trocou a lírica pelo metrónomo. O guardião tem oito segundos para libertar a bola; se não o fizer, não há sermão nem livre indireto — há canto para o adversário. E com contagem visual do árbitro nos últimos cinco, em modo “shot clock” da NBA.
Imagino já a realidade à portuguesa. Nas bancadas, os adeptos a fazerem a contagem decrescente como no Ano Novo: “cinco, quatro, três…”.
No relvado, o central a gritar “calma!” e o treinador a pedir “gestão inteligente”. Haverá estádios onde, aos sete segundos, o speaker porá um jingle; noutros, aos oito, toca a sirene do pavilhão da equipa de hóquei. Estamos a brincar, naturalmente. Mas os especialistas em “queimar tempo” vão agora especializar-se em cozinhar cantos.
Juridicamente, a ideia é simples: transformar um incumprimento quase impune numa sanção com impacto direto. Resultado? Menos teatro, mais jogo. E, atenção: não há cartão por si só — só se for reincidência abusiva. Se alguém bloquear a reposição, pára a contagem e é falta a favor do guarda-redes. Regras claras, incentivos corretos.
Em Portugal, a regra dos 8 segundos pode mudar hábitos enraizados:
Aquele ritual do GR que deita o corpo ao chão “a proteger” uma bola que já é dele? Arrisca canto.
O clássico atraso para puxar meias, arrumar luvas e trocar olhares com a bancada? Canto.
A conversa filosófica com o árbitro sobre o sentido da vida e da reposição? Canto, com direito a coro.
Vai sobrar menos palco para o antijogo e mais responsabilidade para quem quer mesmo sair a jogar. Os treinadores que apostam na construção curta vão adorar; os que vivem do arame nos últimos dez minutos vão ter de treinar gatilhos de transição em oito segundos. E os analistas de bola parada já esfregam as mãos: cada segundinho extra do guarda-redes adversário pode equivaler a meio golo potencial.
Os árbitros, por sua vez, ganham um gesto objetivo: braço no ar, dedos a contar, todos veem, todos percebem — adeus discussões metafísicas sobre “foi muito” ou “foi pouco”. Transparência também é espetáculo. E, convenhamos, que justiça poética: quem adora “cantar” vitórias ao cronómetro passa a dar… canto quando exagera.
No fim, quem perde? Talvez o teatro. Quem ganha? O jogo. E se é para dar fama de oito segundos, que seja com bola a rolar — e, quando for preciso, com canto bem batido.