<strong>TEORIAS DO CAOS - </strong>Há um prodigioso ponto de consenso entre os clubes portugueses mais influentes, e até entre os adeptos deles: não confiam uns nos outros
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Há um prodigioso ponto de consenso entre os clubes portugueses mais influentes, e até entre os adeptos deles: não confiam uns nos outros. E sem querer repisar as revelações dos últimos anos ou até outras já com década e meia, também há razões históricas para se desconfiar da Federação e da Liga, tal como há motivos para que estas desconfiem dos outros agentes. No entanto, as regras vigentes dão a ideia de estarmos num futebol de algodão-doce, sem sombra de pecado, sem necessidade de vigilância, povoado por unicórnios, fadas e ursinhos cor-de-rosa.
"Quase todos os clubes estão reféns dos grandes e recebem ameaças", acusou esta semana, em entrevista ao jornal "A Bola", o presidente do Marítimo, que desta vez dá voz a uma causa de titânio. "Vou continuar a ser contra os empréstimos, enquanto se mantiver esta regulamentação em que os clubes grandes podem continuar a ter dezenas de jogadores com contrato. (...) Os jogadores são contratados na base de uma linha de pensamento de que nunca vão vestir a camisola do Benfica ou do FC Porto." Carlos Pereira chega na hora certa. Não é por não abrirem processos disciplinares que a Liga e a Federação merecem censura no caso dos emails; é por continuarem a agir como se não soubessem o que o presidente do Marítimo e dezenas de outros agentes do futebol sabem. Apesar dos indícios muito fortes (e até do testemunho de presidentes) de que os clubes mais influentes intimidam e exercem pressão sobre os mais fracos, não houve qualquer iniciativa regulamentar para limitar essa possibilidade, tirando a redução dos empréstimos, que já foi contornada (depois de chumbada em AG a norma que evitaria fazê-lo).
"Quase todos os clubes estão reféns dos grandes e recebem ameaças" Carlos Pereira em "A Bola"
Quem tiver dinheiro, e bastam umas centenas de milhares de euros, pode manter na sua dependência vários adversários, através do empréstimo legítimo, através do empréstimo falseado (rescisão e falsa partilha de passe) e através da compra de jogadores desnecessários que, como diz Carlos Pereira, nunca vestirão as camisolas dos clubes compradores. Há uma lista na casa das dezenas de nomes, só nos últimos seis ou sete anos. Muitas dessas compras distorceram a verdade "contabilística", porque serviram para eternizar na I Liga clubes cronicamente falidos, logo cronicamente dependentes. O irónico é que esses clubes estão também a chutar contra a própria baliza. Um cenário de contratos limitados (e número limitado de partilhas de passes) libertaria até uma centena de jogadores com boa escola todos os anos. O talento disponível aumentaria e os negócios reais também. E forçaria os grandes a contribuírem através do mercado, que é diferente deste falso mercado que consiste em comprar um jogador, não importa qual, com o propósito de subsidiar um clube, deixando-o a jeito para, eventualmente, ser condicionado.
O assunto podia esticar-se para muitas áreas, porque comprar um jogador não é hoje muito diferente de comprar uma SAD, nem sequer em termos de preço (e falo de um jogador barato). A insistência em permitir a total obscuridade sobre os proprietários dessas sociedades ou (muito mais importante) sobre os capitais utilizados garante que uma ação dessas, real ou imaginária, sairia impune, sabe-se lá com que consequências. E para precaver muitos destes problemas, não é preciso esperar pelos tribunais, nem pelos "recursos de investigação" da Polícia Judiciária, nem pela próxima visita do Santo Pontífice: é preciso um ortopedista que perceba de escolioses.