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Entre os emails do Benfica trazidos a público, e cuja veracidade está agora atestada para lá de qualquer dúvida, há dois ficheiros especialmente importantes, que nunca foram explicados pelos autores nem questionados por nenhuma das autoridades neles mencionados.
O mais curto, apresentado numa reunião de quadros em 2012, detalha os seguintes objetivos: "Dominar a envolvente externa. Definir e implementar uma estratégia coerente a cinco anos, partindo de um diagnóstico sobre as envolventes internas e externas (Federativo, Político, Comunicação e Judicial). Reforço do controlo/influência nas diferentes áreas do poder da indústria. Aumentar a influência/controlo sobre o poder: Federação e respetivos conselhos de arbitragem, poder político, meios de comunicação/média e [poder] judicial."
Num outro ficheiro PowerPoint mais elaborado, são mencionadas as "ambições" de "reforçar a capacidade de influência nos círculos críticos da Sociedade Portuguesa" e "aumentar a influência nos órgãos de poder federativo". Para tanto, são discriminadas prioridades de ação, tais como "colocar treinadores da formação na FPF" ou fazer "ofertas personalizadas a juízes, deputados, políticos, autarcas, etc." ou ainda "reforçar a linha editorial (opinadores) dentro e fora do Universo Benfica - Pessoas com carisma e alinhadas".
Emails posteriores confirmam a existência de uma rede de opinadores espalhada por vários órgãos de comunicação social e que obedecia (obedece?) a instruções do ex-dirigente desportivo Carlos Janela, ele próprio um comentador televisivo apresentado como imparcial. É ainda Carlos Janela quem propõe ao presidente do Benfica, via email, o pagamento de avenças a um conjunto de jornalistas que depois divulgariam "as nossas notícias".
Podia lembrar o processo e-Toupeira ou acrescentar aqui as relações promíscuas e inadmissíveis com o ex-vice-presidente do Conselho de Arbitragem que decidia as classificações dos árbitros (e que, já deposto, lhes enviava emails sob pseudónimo), mas estaria a falhar o essencial. O caso dos emails versa sobre poder total, sobre a credibilidade das instituições, sobre a influência de um clube de futebol com 45% do mercado num país que (sabemos hoje) é muito, muito, muito fácil de influenciar.
Escrevo isto porque a memória desvanece-se, sobretudo quando há muita vontade em fazê-la desvanecer-se, nalguns casos por falta de vergonha, noutros por clubismo acéfalo (acham mesmo que só está em causa o pontapé na bola?), noutros por cobardia, noutros por confundirem comodismo com isenção. Muitos deles com a agravante de terem testemunhado episódios e comportamentos que confirmam que aquele plano está a ser, alegre e impunemente, levado à prática todos os dias.