Depois de anos a ouvirem falar em hegemonias, os benfiquistas não conseguem ver no relvado uma equipa de carne e osso como as outras
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O mau dirigismo produz maus adeptos que, por sua vez, levam a mau dirigismo. Os benfiquistas que estavam ontem em Arouca esperavam uma goleada, em resposta ao empate da semana passada, e exigiram-na, como um milionário exige ao "valet" do hotel que lhe traga o Ferrari em dois centésimos de segundo.
Isso acontece porque o Benfica é um dos poucos clubes do mundo que têm no vocabulário corrente a palavra hegemonia. Ganhar é um dado adquirido, o mínimo obrigatório, quando o adversário é desconsiderado dessa maneira. Qualquer adversário, porque é isso que ser hegemónico supõe: superioridade absoluta, ou, para ser rigoroso no caso específico da doutrina vieirista, um direito consuetudinário ao sucesso.
Uma das más heranças de Vieira foi a educação dos adeptos negligenciada, como está a suceder agora na campanha eleitoral para as eleições legislativas. A hegemonia não é um objetivo; é uma consequência. O primeiro objetivo real será montar uma equipa, ou remontar, que é a missão de Nélson Veríssimo neste momento, mas como encaixar esse conceito na lógica do Benfica hegemónico e infalível, que não deveria ter adversários a menos de 300 milhas dos calcanhares?
Carlos Queiroz separa os clubes em duas fações: os que entram em pânico e os que não entram. É difícil não entrar em pânico quando nos julgamos divinos e, de repente, apanhamos sarampo. Manchester City, Chelsea, Liverpool, o Manchester United de Ferguson, nenhum deles usa ou usou a palavra. Até o super-pretensioso Real Madrid a ignora, talvez porque não precisou de hegemonia interna nenhuma para ganhar as últimas cinco Ligas dos Campeões.
No final, as vítimas são os treinadores e os jogadores que a propaganda proíbe de serem de carne e osso. A insegurança da equipa do Benfica era óbvia para todos, ontem em Arouca, menos para quem Vieira andou a ensinar a ver, no relvado, só deuses vestidos de vermelho.