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O que sucedeu na sexta-feira, no FC Porto-Sporting, qualquer pessoa com os olhos abertos podia ter previsto. Tenho uma dioptria e meia em cada, mais o astigmatismo, e mesmo assim escrevi, no jornal de quinta-feira, sobre o que estava em risco de acontecer.
Por isso, poupem-nos às lágrimas de crocodilo: o FC Porto-Sporting foi o que foi porque os envolvidos quiseram assim, num caso por estratégia (pensada, alimentada, e mesmo legítima, até certo ponto que já ficou lá para trás) e no outro por incontinência.
Não tem a ver com a cultura desportiva do cidadão português, nem com a má formação dos futebolistas, nem com a organização, nem com regulamentos, nem com o desgraçado do árbitro atirado para o meio daquilo: tem a ver com preconceito e incapacidade (no caso de Frederico Varandas até indiferença) para distinguir a competitividade extrema do ódio, no campo e na comunicação.
Pior do que o presidente do Sporting, o dos "valores", ir à sala de Imprensa usar o incidente para fazer campanha eleitoral, foi a reação juvenil do FC Porto ("dor de corno"), como se fosse impossível dizer com elevação, por exemplo, o que acabei de escrever.
Mas essa parte é problema dos clubes, eles saberão se lhe agrada, ou é útil, serem odiados de volta. Custa-me mais ler e ouvir bons analistas dizer que foi bom ("um grande clássico") o que se viu no campo antes do último apito. Não foi. Não há bons jogos com 43 minutos de tempo útil, e não, esse fenómeno não começou na segunda parte, depois da expulsão de Coates, nem sequer depois dos golos do Sporting. Houve minitumultos a cada apito do árbitro, várias simulações (estão na moda) de toques na cara, entradas de punho fechado, antijogo, e pouquíssimas vezes dois minutos seguidos de bola a rolar.
O FC Porto aponta o dedo, mas a verdade é que os seus jogadores foram cúmplices, e com grande voluntarismo. Não houve quezília em que se abstivessem de participar, geralmente com a celebrada experiência de Pepe na linha da frente: se era esse o plano do Sporting, aos jogadores do FC Porto não desagradou contribuírem. Mais uma vez.
No final de tudo isto, chega o dia seguinte, com a "comunicação" e a "política", cumprindo a sua já certificada função de agravar tudo. Uma sementeira de ódio, nascida de ressentimentos de adepto e disfarçada de alta estratégia. Pensemos pelas nossas cabeças: depois de um sábado como este, o próximo Sporting-FC Porto será mais ou menos pacífico?