Talvez os adeptos de futebol tenham os dirigentes que querem: incapazes de um minuto de autoconsciência, apostados em manter o caminho do ódio, e cegos às ações dos seus próprios clubes
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Façamos justiça aos nossos dirigentes quezilentos, de insulto fácil e dedo leve no gatilho: estão a fazer precisamente o que os adeptos lhes pedem ou mesmo o que os sócios lhes exigem nas eleições.
Pensei que era difícil superar o ridículo da indignação nacional por aqueles minutos de gravação do Porto Canal no Estádio da Luz, mas Francisco Benítez, candidato vencido à presidência do Benfica, superou o registo. Porque Rui Costa vendeu o Rafa ao FC Porto por 200 euros? Porque pintou de azul e branco o túnel da Luz? Porque trocou a águia Vitória por um dragão de Komodo? Porque disse que prefere tripas à dobrada? Não: porque aceitou (repare-se no verbo: aceitou) um abraço de Pinto da Costa.
Na opinião de Benítez, dos adeptos e mesmo de alguns comentadores que amanhã vão ter a lata de se esganiçarem por causa do "clima", o ódio é o caminho a seguir. Rui Costa devia ter tirado a luva para esbofetear a vil criatura e desafiá-lo para um duelo. Nem uma paz postiça pode ser tolerada, quanto mais uma reconciliação. Essas coisas amaricadas são para conflitos superficiais como a Palestina, o Kosovo ou as duas Coreias.
Entre Benfica e FC Porto só pode haver asco. E tem de ser público, escancarado e com anúncios néon. Nada, sequer, de cordialidade por fora e aversão por dentro: deve prosseguir, a todo o custo, a pedagogia do ódio. Mesmo que, racionalmente, não sirva para nada. Mesmo que não ganhe jogos (como se viu nos últimos 20 clássicos). Mesmo que, no passado, tenha impedido alianças importantes para interesses comuns. Mesmo que manter esse ódio implique fingir que não se tomou parte na guerra; que somos uns anjos e estamos de consciência tranquila; que, para um Porto Canal, não há uma Benfica TV; que os agravos constantes não são mútuos. Enfim, fingir que este ódio não é apenas tolo.