TEORIAS DO CAOS - Uma opinião de José Manuel Ribeiro
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Não haverá apitos portugueses no Catar. Desde que se soube a notícia, foram fornecidas ao público mil explicações, mas a mais plausível é a do costume: política da FIFA.
Pensar que só os árbitros apitam em Portugal é o primeiro erro. Os maiores roubos de igreja são cometidos pelos clubes.
Há uns dez ou doze anos, um dirigente do Conselho de Arbitragem explicou-me com detalhe o processo que levou ao congelamento da carreira internacional de Jorge Sousa. Os árbitros, em geral, estão mais fracos. Com o VAR, passou a ser impossível para o público perceber qualquer variação nos critérios, o que levou a FIFA e a UEFA a aprofundarem a robotização dos árbitros, pela via das regras e orientações irrealisticamente cirúrgicas e alteradas com demasiada frequência.
Por cá, as particularidades são evidentes: o número de cartões vermelhos que chega a triplicar o de que outras ligas e a cultura das equipas, que leva às pseudofaltas, ao antijogo e a várias outras armadilhas. Um bom exemplo é aquilo em que se transformou a tolerância zero para as mãos na cara do adversário: mais do que dissuadir uma má prática, gerou outra, porque os jogadores/equipas viram ali uma nova oportunidade para a teatralização, logo, para mais uma fonte semanal de controvérsia. A arbitragem portuguesa sofre de um óbvio défice de qualidade, mas os clubes, comentadores e adeptos arbitram ainda pior. No jogo com o Famalicão de há um mês, o Benfica fez quase um apelo à insurreição por causa de um suposto penálti por mão na bola sem razão nenhuma, e manteve a tese, apesar do amplo consenso dos especialistas em contrário. Depois de perder em Braga, o FC Porto reclamou três penáltis, mas na verdade só o primeiro é um erro objetivo.
À transparência que exigem à arbitragem os clubes contrapõem ligeireza nas análises, má-fé e, muitas vezes, desonestidade pura e simples. Um dos efeitos colaterais desse comportamento é exacerbar o corporativismo dos árbitros. Não há melhor defesa para eles, em caso de asneira grave, do que a reação fanática dos clubes, e também aí, muitas vezes, com má-fé. Quando Luis Díaz foi expulso por, na sequência de um pontapé à baliza, ter chutado (e fraturado) também o pé que David Carmo lhe pôs no caminho, certos canais internos da arbitragem tentaram, num caso com sucesso, fazer chegar às páginas dos jornais uma versão equivocada da regra para branquear o erro evidente. A comunicação podre gera comunicação podre. Não há como escapar. Má, boa ou assim-assim, o futebol tem a arbitragem que merece.