O caso Pizzi: um jogo de futebol é um romance de 600 páginas das quais só conhecemos as últimas duas
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O Benfica fez uma apendicectomia e começou logo a ganhar, ainda o apêndice não havia sido desalfandegado na Turquia.
Enquanto jornalista, aprecio quase tanto as histórias de balneário como as do relvado, mas não conheço a de Pizzi, e talvez ninguém conheça a 100%. Para isso, seria preciso um "big brother" que conectasse todos os diálogos privados, com colegas, funcionários, etc., porque a sonsice de que Jesus o acusou é, por definição, dissimulada. Os sonsos trabalham à paisana, ou então não são sonsos.
O grande poço de petróleo das histórias de balneário das duas últimas décadas foi o italiano Cassano, tanto assim que, no "calcio", aos episódios deste género chama-se Cassanata. Os casos são às centenas, e vão de sessões de pancada no balneário a insultos recorrentes aos colegas, treinadores e presidentes (chamou "pedaço de merda" a Fabio Capello) e às multas por cada grama a mais no Real Madrid, até, em 2013, o plantel do Parma ter procurado o proprietário do clube para lhe dizer que estava "maluco" se queria contratar aquela peça. Mas Cassano era tudo (incluindo mulherengo, guloso e homofóbico) menos sonso.
No balneário, tantas vezes descrito como uma espécie de templo "Hare Krishna", onde se professa o amor e a tolerância, as ameaças à harmonia são inúmeras. O ego será a primeira de todas, mas Anelka, um dos jogadores mais acusados desse "crime", até acrescenta outra, ao abordar o tema: quando jogava no Arsenal, os seus parceiros de ataque holandeses (Bergkamp e o assediador sexual Overmars) faziam questão de só falar neerlandês para que ele não os entendesse.
A cultura também conta. Na Ásia, sobretudo na Coreia (dizem-me), os mais novos são rebaixados e tratados como criados pelos mais velhos. Romário (conta Ronaldo Nazário) fazia o mesmo com os miúdos, que tinham de lhe limpar as chuteiras. O próprio Ronaldo foi desviado por maus caminhos, numa saída clandestina à noite destinada a embebedá-lo para que Romário fosse o titular na seleção brasileira.
É outra frente de batalha: a carreira. Nem sempre a amizade e a lealdade favorecem o contrato. Não sei se Pizzi seguiu alguma alínea deste cardápio, mas aprendi isto: um jogo de futebol é um romance de 600 páginas de que só conhecemos as últimas duas.