TEORIAS DO CAOS - Opinião de José Manuel Ribeiro
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No ano da desgraça de 2021, o Paris Saint-Germain contratou a custo zero quatro jogadores, nenhum deles proveniente de um pobre clube remendão.
Wijnaldum (Liverpool), Sérgio Ramos (Real Madrid), Donnaruma (Milan) e Messi valeriam juntos qualquer coisa como 150 milhões de euros. Em 2022, o mesmo PSG está em risco de perder o mais valioso jogador do planeta (Mbappé, 160 M€) também a custo zero, o Liverpool corre o risco sério de deixar fugir Mohamed Salah (que já ganha 12 milhões de euros anuais) e o Manchester United deverá perder Pogba, por quem pagou 106 milhões, mais 72 milhões em seis anos de salários.
Dybala (Juventus, 50 M€) e Kessié (Milan, 48 M€) devem seguir o mesmo caminho, em Itália, e ainda há Rudiger, central do Chelsea (35 M€) e Dembelé (Barcelona, 30 M€) com um pé nesse barco.
A diferença entre Tecatito Corona e estes casos centra-se na muito inferior conta bancária do FC Porto. Neste ponto, o neoliberal que me esteja a ler franze o nariz cuidadosamente esfoliado e hidratado, solta um botão da camisa "slim fit" na zona do abdómen, e envia-me uma mensagem telepática: "É o mercado a funcionar, seu asno proletário." Não é. No mercado bolsista, as ações tendem a não ir embora pelo próprio pé, e, na indústria, a maquinaria pesada costuma proceder da mesma maneira, até a que tem rodas. A matéria-prima também cultiva o hábito de ficar quieta no armazém.
Os jogadores de futebol não são objetos? Claro que não. Mas são um investimento como qualquer outro, exceto na singular característica de terem pernas e livre-arbítrio e poderem pôr-se a andar quando deixar de haver um contrato a cumprir. São também uma porção importante das receitas de todos os clubes profissionais do mundo, com a exceção de uma dezena, talvez.
Diria mais: as receitas de transferências são o grande motivador da formação de novos jogadores. Por esta altura, o neoliberal estará tentado a citar-me Adam Smith, o que me obriga a arriscar figura de urso. Se estou bem recordado do que fui lendo (com grande inquietação), o sr. Smith punha como condição para que um sistema capitalista funcionasse não haver intervenção de fatores externos. No futebol, esses fatores chamam-se PSG, Manchester City, Chelsea e a breve prazo também Newcastle.
Ao contrário do que parece, o facto de um clube contratar um jogador a custo zero não torna o futebol mais barato, nem o clube comprador mais saudável. Por regra, significa um imediato aumento da massa salarial (vide exemplo de Griezmann no Barcelona e o que sucedeu a seguir), que se torna um problema muito mais difícil de resolver para os clubes do que o pagamento de uma transferência.
Se o sistema funcionasse, o futebol acabaria por encontrar um ponto de equilíbrio porque a economia não costuma aguentar surrealismos muito tempo, mas as receitas artificiais que aqueles clubes injetam no circuito, neste caso pagando eternamente aumentos de salários a jogadores já muitíssimo bem pagos, impede que isso aconteça. É a inflação infinita.
Nos valores de transferências, desde 2013, houve crescimentos anuais entre os 22 e os 32%. Nos salários, de 2010 para 2019 (Global Sports Salaries Survey), o ordenado médio da Premier League subiu de 1,4 M€ para 3,17 M€, forçando a que ligas menos potentes, como a Italiana, fizessem um esforço ainda maior (de 526 mil euros para 1,8 M€).
Em 2010, o Chelsea pagava um salário médio de 3,6 M€, que era o topo; em 2019, o Manchester City pagava 7 M€. É uma máquina disfuncional sem controlo que interessa apenas a um número mínimo de jogadores (em proporção) e a esses quatro clubes, em prejuízo de centenas de milhar de outros.