De súbito, tornou-se fácil distinguir uma comissão legítima de uma comissão fraudulenta por meios mais sólidos do que o olfato
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Se saírem condenações sérias (isto é, para lá de umas multas por irregularidades fiscais) da Operação Fora de Jogo, alguém terá de explicar aos cidadãos por que razão elas não aconteceram antes.
A perplexidade com as transferências de jogadores e respetivas comissões não começou em 2015. Desde o boom do mercado, em finais do século XX, correram muitos milhões de euros para fora das contas dos clubes com as mesmas explicações misteriosas que as autoridades se lembraram agora de investigar.
Se é possível distinguir um negócio de futebol legítimo de uma burla por meios mais sólidos do que o olfato, por que não o fizeram antes? Que extraordinária inovação forense justifica todo este entusiasmo?
Tenho o defeito de ler jornais e não sei de condenações significativas de empresários ou dirigentes por comissões fraudulentas em parte nenhuma do mundo. Elas existem, são muitas e entram-nos pelos olhos dentro, mas desembocam nos mesmos offshores anónimos que permitem a João Rendeiro emigrar com cinco mil euros mensais (diz ele) nas barbas da Justiça. A mesma Justiça que anda há sete anos a tentar desemaranhar a teia bancária de Sócrates (só nos convencendo quando há escutas ou depoimentos, nunca com papéis) ou que perdeu a pista a milhares de milhões de euros do BES e do BPN, de repente vai encontrar os beneficiários finais de uma partilha de comissões no futebol?
Seria bom que sim, até para as esperanças das vítimas de Rendeiro, antes que ele estoure todas as contas offshore em massagens no SPA tropical.
Enquanto essa revolução extraordinária não acontece, podem sugerir ao Estado que siga o caminho de Inglaterra, onde estão a preparar um pacote de regulação e fiscalização do futebol profissional. É um bom momento, porque o futebol profissional está frágil e o Governo pode impor condições severas em troca de um plano decente para o apoio e desenvolvimento de uma área que lhe traz empregos e receitas. Mas não nos entusiasmemos: acredito menos nessa hipótese do que em condenações nas comissões fraudulentas.