Livre de filosofias e gramáticas, Jesus percebeu o futebol brasileiro num instante. Mas essa simplicidade não é para todos.
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Há duas formas de olhar para a falta de vocabulário de Jorge Jesus. A mais habitual é o pedantismo, com alguma ironia, porque uma grande fação dessas pessoas tão eruditas e ilustradas só conhecem os adjetivos "parolo" e "provinciano" (que as descrevem a elas antes de descreverem os adjetivados). A outra é repararmos no dom da simplicidade. Sem a gramática e a sintaxe na cabeça para atrapalhar, Jesus é capaz de façanhas desconcertantes como a de chegar a um contexto tão emaranhado e estranho como o futebol brasileiro e perceber imediatamente o caminho.
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Tirando o zumbido permanente do ego, parece que nada mais lhe atrapalha o raciocínio. Não há filosofias, nem post-its em livros de exercícios com 600 páginas: só clareza. Exatamente o contrário do que se percebe na raríssima entrevista de Brahimi a O JOGO. Lê-la é como vê-lo em campo. Usa a palavra "complicado" seis vezes e as coisas "não são fáceis" ou são mesmo "complexas" e "difíceis" mais quatro. Brahimi queria ficar no FC Porto, mas também queria sair. Jogar no Benfica nem pensar, mas não se pode dizer nunca.
Na hora do remate, a dúvida do costume e outro drible, porque as pessoas têm "responsabilidades e obrigações". A simplicidade é um superpoder que talvez tivesse feito dele um dos melhores jogadores do mundo, mas, por azar, está reservada a uma mão-cheia de eleitos. E Jesus é bem capaz de ser o único sportinguista do lote.