Portugal não tem uma escola de futebol em comum: tem jogadores baixinhos. Mas também uma abundância cada vez maior de descendentes africanos que são bons e obrigam a conciliar ideias.
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No calendário eclesiástico do futebol nacional, temos o Natal, a Páscoa e os feriados da santa bipolaridade, quando a Seleção calha de acertar.
Nos dias seguintes, os portugueses pensantes que esperavam demasiado ou demasiado pouco juntam-se numa só personagem, formada em psiquiatria, que vem diagnosticar nos outros o seu próprio defeito: ontem, a Seleção era uma desgraça; hoje, tem de ser campeã mundial.
Fatigado por 30 anos desta cassete, derreei-me anteontem a ver um filme biográfico terrível sobre Pelé, que punha relatadores de jogos em 1958 a pedir cartões inventados só em 1970, e que romanceava a vida do craque como um combate heroico pela "ginga" (um dos nomes que se costumava dar à escola brasileira) contra a frieza matemática dos sinistros e racistas europeus, e até contra o próprio selecionador.
Quando se tenta abarcar toda a opinião publicada sobre a seleção portuguesa, fica-se com a ideia de que Portugal também possui uma "ginga", uma escola transversal a várias gerações que os sinistros e racistas europeus, mais o Fernando Santos, tentam extinguir.
Na verdade, o que Portugal tem sempre são muitos jogadores baixinhos, alguns deles extraordinários, ponto. Depois, foi tendo uma abundância cada vez maior de grandes jogadores de ascendência africana, que se somam num caldeirão de habilidade e de potência.
Não é coincidência que o celebrado reposicionamento de Bernardo Silva a "oito" aconteça depois de contestados William Carvalho, nessa posição, e o onze "defensivo" do último jogo do Euro, com a Bélgica (jogou Renato Sanches).
Não há uma ginga portuguesa, nem um galo de Barcelos futebolístico protegido pela UNESCO; há duas identidades por conciliar numa fórmula que funcione. No Brasil de 1958, o milagre foi conciliar a ginga de Pelé com a revolução que Bela Guttmann (um sinistro europeu) levou para lá. Que disparate de filme. Os dois.