O FC Porto de Pinto da Costa deve ser o único caso conhecido, desde a invenção da escrita, em que a versão do vencedor nem chega a existir. O Mundo visto a partir das cavernas do norte de Portugal.
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O registo do FC Porto de Pinto da Costa deve ser o único caso conhecido em que a história é escrita pelos derrotados e não pelos vencedores.
Perdeu o controlo da sua própria narrativa logo em 1987 com as televisões privadas, ambas sedeadas em Lisboa, e com a decadência e posterior extinção de dois dos três grandes jornais generalistas do Porto (e do país), o Comércio e o Primeiro de Janeiro.
No mínimo, o FC Porto nunca quis ser um clube simpático (posso escrever um livro sobre isso), mas admitamos que faz alguma diferença vermos as coisas desde o prédio ao lado ou à distância de 300 quilómetros. Não ajuda que nós, portuenses ou nortenhos, alimentemos ilusões inúteis, como a de não sermos cavernícolas enquanto espécie local, ou de haver (pelo menos) tantos grunhos em Santa Catarina como na Rua Augusta. Um pateta sugeria há uns dias, num jornal desportivo, que o comportamento de Nuno Santos (Sporting) se devia aos oito anos vividos no FC Porto e, com certeza, não faltaram leitores em pulgas para transformar em facto incontestável uma idiotice de um jurista que nunca deve ter passado a menos de cinco quilómetros da Constituição ou do Olival. Imaginem uma correia de montagem em que treinadores como Vítor Pereira ou o coordenador Luís Castro, esse Guarda Abel da formação, educavam cada juvenil na arte da peçonha.
Todas as manhãs, centenas de funcionários uniformizados de azul e branco, dispostos em quadrado no pátio central do Dragão (não existe, mas o centro de treinos dos árbitros na Maia também não) para exercitarem expressões faciais de ódio e beliscões nas nádegas dos dirigentes visitantes. Nada disto explica, atenua ou agrava o muito (palavra essencial) que aconteceu no FC Porto-Sporting, mas seria bom que, pelo menos, contivesse o excesso de salivação de alguns jornalistas e comentadores que veem tudo a 300 quilómetros e nada no prédio ao lado.