TEORIAS DO CAOS - Opinião de José Manuel Ribeiro
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No futebol, a pandemia redundou num histórico ano do egoísmo, sem pruridos, nem limites, e defendido por pessoas que alguns de nós, se calhar a maioria, tinham por incorruptíveis.
Em Portugal, sofremos uma exceção que prima por ser exceção apenas aos olhos dos cândidos: os "grandes" abriram as portas à centralização dos direitos televisivos. Mas não o fizeram por altruísmo, nem por terem visto o menino Jesus no cimo de um eucalipto. As verbas dos contratos anteriores estão quase todas antecipadas e o Benfica - principal motor da reconciliação - acaba o dele dois anos (2026) antes dos outros.
Dois anos de eventual saldo que são incomportáveis, daí a súbita urgência de reatar amizades e alianças, de que os outros (o FC Porto em particular) também precisam, porque se esgotaram os contratos para dar como garantias de financiamento. O último que havia, da Betano, ficou congelado pela aterrorizante possibilidade (para todo o desporto, sobretudo o de bases) de passarem na Assembleia da República as propostas de limitação (e proibição) da publicidade às apostas online.
Lá fora, a Superliga europeia passou por ser o cúmulo do egocentrismo. Uma dúzia de clubes tentou, num golpe só, literalmente roubar para si o futebol europeu, da Liga dos Campeões aos cinco maiores campeonatos, passando pelo que resta das ligas médias (como a portuguesa) e pelo arremesso definitivo das restantes para a exclusão e insignificância.
Ninguém imaginaria que, logo depois de combatido e derrotado esse golpe de estado, a FIFA levaria o egoísmo uns bons graus adiante com a proposta de um Mundial a cada dois anos, num ataque sem precedentes às competições nacionais e continentais de clubes.
Futebol feminino, olimpismo, grandes fases finais de outras modalidades: todos passariam a estar em risco com este intruso na luta por "sponsors", atenção do público e espaço na agenda, apenas para que mais dinheiro fosse vertido numa instituição de comprovados instintos criminosos.
Dando o rosto pela revolução, Arsène Wenger, um francês da Alsácia (ou seja, meio alemão) filho do mecânico e taberneiro de aldeia, que fez carreira no Arsenal combatendo como nenhum outro treinador os calendários sobrelotados da Premier League e da FIFA. Sentado em Zurique, ao lado do contabilista da FIFA, Wenger viu a luz e percebeu que a forma de endireitar a agenda era acrescentar um campeonato do Mundo bienal: "Vai melhorar a qualidade do jogo e das competições."
Até hoje, não conseguiu explicar como. Em sua defesa, devo lembrar que isto não é uma luta do bem contra o mal. A UEFA vergou-se às cinco grandes ligas, basicamente entregando-lhes a chave da Liga dos Campeões, o Tribunal Arbitral de Lausana vergou-se ao Manchester City, libertando-o dos aborrecimentos do fair-play financeiro, e o governo inglês vergou-se aos interesses económicos, forçando a Premier League a aceitar a venda do Newcastle à honrada Arábia Saudita. O altruísmo já teve melhores anos. Imagino.