Ameaça ou aviso, <a href="https://www.ojogo.pt/futebol/noticias/interior/clubes-ameacam-parar-futebol-9981871.html" target="_blank">o futebol admite parar os campeonatos profissionais e de formação</a>. Isto, dito assim, parece uma coisa bem séria, sobretudo se replicado em títulos que se folheiam em papel ou se fazem deslizar nos ecrãs digitais. O porta-voz deste discurso de boicote nos campeonatos foi Carlos Pereira, presidente do Marítimo, um dos maiores dinamizadores do G15, grupo que pretende congregar as vontades da maioria dos emblemas da I Liga, sobretudo em sede regulamentar. Mas, afinal, o que pretendem os clubes/sociedades desportivas?
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O soundbyte é ou não suficientemente intimidatório para o Governo? Afinal, o que está por trás deste arremesso verbal, que o presidente da Liga, Pedro Proença, logo a seguir procurou enquadrar num processo de debate para "procurar as melhores soluções?".
Há três grandes temas em cima da mesa: a legislação de combate à violência no Desporto, ainda em discussão na Assembleia da República, a distribuição e chave de repartição das receitas com origem nas apostas desportivas e os seguros de acidentes de trabalho, que oneram as sociedades desportivas em cerca de 14 por cento da massa salarial.
Ora, quanto aos seguros, este é basicamente um protesto economicista, com as sociedades desportivas, que são geridas como qualquer empresa privada, a apelar à intervenção do Estado junto de um setor onde assume o papel de regulador. Mas, se Carlos Pereira e os clubes/SAD esgrimiram com a participação do futebol profissional no Produto Interno Bruto (PIB), avaliada em 0,3 por cento, será um confronto entre David e Golias, pois só os Seguros e Fundos de Pensão representam cerca de 25 por cento do PIB, segundo palavras do presidente da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF), proferidas em dezembro passado. Mas se pensarmos só na atividade direta das seguradoras, os números apontam para um impacto de sete por cento no PIB, segundo a Associação Portuguesa de Seguradores (APS), nesta notícia de fevereiro. Em resumo, o G15 está habituado a combater os interesses dos grandes no futebol, vamos ver como combaterá os grandes interesses da economia.
Lei da Violência, distribuição das apostas desportivas e seguros de trabalho preocupam os clubes/SAD
Já questão do combate da violência no Desporto, enquanto o Governo e as forças de segurança, especialmente a PSP, revelam pretensões que apontam para regulamentos mais punitivos nas competições profissionais, mantendo sanções como portas fechadas nos estádios devido ao mau comportamento dos adeptos, já os clubes estão a preparar propostas de alteração regulamentar que preveem essa sanção "apenas em casos extremos", conforme afirmou António Salvador, presidente do Braga, a O JOGO, a 07 de outubro.
Como se sabe, a Lei 39/2009 está em fase de debate parlamentar. Sucedem-se as propostas dos vários setores, do próprio Governo e, eventualmente, dos partidos políticos (pouco conhecidas, até ao momento). Mas terá sido a sugestão do superintendente Luís Elias, da Direção Nacional da PSP, que propõe implementar mais sanções envolvendo comportamentos de adeptos (a medida de "torcida única", que pode conhecer aqui e aqui) que terá contribuído para um posicionamento mais musculado dos clubes, já de si bastante insatisfeitos com o que consideram ser uma posição pouco clara por parte da Secretaria de Estado da Juventude e Desporto neste processo de debate público. Ou seja, as sociedades desportivas e os clubes querem que o Estado assuma a sua cota-parte das responsabilidades de segurança e prevenção da violência, mas estão menos permissivos à necessidade de sanções à luz da legislação nacional ou dos próprios regulamentos.
"A Lei 39/2009 está em fase de debate parlamentar. Sucedem-se as propostas dos vários setores, do próprio Governo e, eventualmente, dos partidos políticos (pouco conhecidas, até ao momento)".
Já agora, um dado sobre segurança, da que se faz semana a semana nos vários relvados deste país. Conforme o que nos foi explicado por uma fonte policial, para um clássico como o de domingo passado, entre o Benfica e o FC Porto, podem ser destacados entre 700 a 900 agentes. E um Vitória de Guimarães-FC Porto, por exemplo, pode ter os préstimos de 400 a 500 polícias.
De contingentes como estes, apenas cerca de um terço dos efetivos são pagos em função das obrigações de policiamento das sociedades desportivas. E é preciso não esquecer que grande parte do orçamento de segurança dos clubes, também conforme as obrigações regulamentadas, encontra-se também destinada ao pagamento a empresas privadas do setor.
Por fim, tentemos ponderar sobre a terceira reclamação dos clubes: a repartição das verbas provenientes das apostas desportivas. Este é um tema com necessidade de algumas articulações ao mais alto nível. Não se trata apenas de um tema sobre a interpretação da lei, nomeadamente da portaria que regula a chave de distribuição. Como Pedro Proença então afirmou, não são apenas os clubes que querem receber dos estimados cerca de 20 milhões de euros gerados a partir das apostas online. Há que contar com as associações representativas dos treinadores, jogadores e árbitros.
Os clubes contestam a interpretação que o IPDJ faz da portaria de 314/2015, que determina as chaves de repartição do Imposto Especial dos Jogos Online. Entre outras coisas, consideram que a taxa nas apostas das ligas internacionais congéneres deve reverter para a Liga e as sociedades desportivas, o que não acontece. E consideram ainda que o volume que lhes tem sido destinado é uma ínfima parte do total. E querem mais que os 37,5 por cento previstos na portaria.
"Quando a bola bate na trave e não entra, a sintonia do discurso acaba goleada"
Por fim, não é à toa que os clubes avisaram que os campeonatos da formação também podem parar. Trata-se de um repto à Federação Portuguesa de Futebol, que tem a tutela destas provas. Carlos Pereira sabe que uma eventual ordem de paralisação, mesmo aos planteis não-profissionais, parte sempre do patrão, seja ele um clube ou uma sociedade desportiva. E os emblemas da primeira liga querem ver a FPF como aliado nesta campanha.
Na Cimeira de Presidentes de quarta-feira, os emblemas profissionais resolveram mostrar as garras e os dentes. Os patrões do futebol estão a dar passos em conjunto na defesa da sua indústria. O mediatismo que lhes está associado dá-lhes mais eco do que o que têm os parceiros sociais com assento na Concertação Social.
Resta saber se este momento de alguma unanimidade em torno dos interesses de todos não se quebra em função dos resultados das próximas jornadas. É que quando a bola bate na trave e não entra, a sintonia do discurso acaba goleada.