Em Portugal, a PSP propõe a medida de "torcida única" nos estádios de futebol para sancionar o mau comportamento de adeptos, especialmente dos visitantes. No Brasil, a medida foi implementada em 2016 no campeonato paulista, devido ao comportamento dos adeptos visitados e visitantes, para estancar um período de confrontos generalizados entre seguidores do São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos. E está a ser testada noutros estados.
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Em entrevista a O JOGO, na edição de hoje, o superintendente Luís Elias, diretor do departamento de Operações da Polícia de Segurança Pública, sugeriu o agravamento de sanções ao mau comportamento dos adeptos, nomeadamente a introdução da medida de "torcida única", que obriga à realização de jogos sem adeptos das equipas visitantes.
Conforme explicou o responsável policial, use-se como exemplo o facto de os adeptos de um clube irem como visitantes a um estádio e ali se portarem mal: "No jogo seguinte entre essas duas equipas no mesmo recinto, já não podiam entrar. Podia aplicar-se uma pena de três jogos, para o próximo jogo ou no estádio em que ocorreram os incidentes".
Recorde-se que Luís Elias, na conversa com o jogo, afirmou que a PSP "vê com bons olhos os jogos à porta fechada", mas entende que essa sanção apenas serve "para punir o clube visitado", enquanto "a torcida única serve para punir os visitantes". A proposta da PSP encontra-se no projeto de alteração legislativo, em discussão na Assembleia da República, e importa conhecer, para já, a razão pela qual a Polícia portuguesa acredita tratar-se de uma sanção que surtirá efeito no que diz respeito à segurança nos estádios de futebol, inclusive no âmbito de atuação da recém-criada Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto.
Em período de debate público da Lei 39/2009, que estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, procurámos os fundamentos da medida no Campeonato Paulista, que até tem efeito no Brasileirão, em curso desde 2016.
Jogos entre São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos fazem-se com "torcida única"
Em abril desse ano, após confrontos que vitimaram mortalmente um transeunte - morto a tiro - e provocaram dezenas de feridos e prejuízos materiais em São Paulo, as autoridades estaduais avançaram com a sanção de "torcida única", implementada nos estádios dos quatro grandes clubes o território: São Paulo, Palmeiras, Corinthians e Santos. Importa referir que os dirigentes dos quatro emblemas visados acataram a decisão sem grande contestação.
A norma foi imediatamente adotada pela Federação Paulista de Futebol, após a decisão do governo estadual, sustentado pelas autoridades de Justiça e policiais: Ministério Público, Tribunal de Justiça e polícias civil e militar. Convenhamos, os desacatos no Brasil estavam a assumir contornos e frequência a níveis muito superiores aos de Portugal. Antes da decisão, recordamos, sucediam-se os desacatos e desordens violentíssimos entre grupos de adeptos, mesmo nos dias em que não havia jogos, com contornos de violência inusitada e até com alguma organização ad-hoc.
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Desde então, os clássicos entre aqueles quatro emblemas passaram a fazer-se exclusivamente com adeptos da casa nas bancadas. A medida foi renovada em 2017 e estendida ao Brasileirão, onde as mesmas quatro equipas estão obrigadas a defrontar-se sem adeptos visitantes nos estádios visitados.
Em maio passado, ao 45.º jogo com "torcida única", a Secretaria de Segurança Pública do governo de São Paulo apresentou números relevantes: queda no número de incidências violentas, menos agentes policiais destacados dentro e fora dos estádios e aumento de público nas bancadas. Segundo o Globo.com, "nos 44 clássicos anteriores à sanção de torcida única, a polícia militar empregou 14.178 elementos na segurança, mais do que os 10.042 dos 44 clássicos disputados na sequência da medida. E o público cresceu 33%: passou de 1.073.838 pagantes para 1.425.779".
Desde a implementação da medida no campeonato paulista, a assistência nos clássicos cresceu e diminuíram os custos de policiamento
Mas as autoridades paulistas não estão satisfeitas, até porque, apesar de menos episódios de violência registados, houve mais casos mortais, como em março passado, quando um corintiano foi mortalmente espancado por santistas e, um mês depois, um adepto do Corinthians perdeu a vida, atropelado por um fã do Palmeiras.
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O exemplo paulista poderá estar a ganhar terreno noutras federações e territórios brasileiros, nomeadamente no Paraná, onde o Ministério Público local, já em maio deste ano, obrigou a "torcida única" no jogo entre o Atlético Paranaense e o Cruzeiro, revelando a intenção de estender a medida a todos os estádios da capital Curitiba. Sucederam-se, claro, manifestações públicas, sobretudo dos adeptos do Cruzeiro. Mas até ao momento, todos os jogos do Atlético Paranaense são realizados com torcidas únicas, no que é considerado um teste-piloto, definido pelo acordo entre o clube e o Ministério Público. Levanta outras questões, naturalmente, nomeadamente relacionadas com os impactos de apoio público que a equipa visitante deixa de ter.
Aliás, a esse propósito, um dos mais lidos bloggers do GloboEsporte.com, Emerson Gonçalves, fez as seguintes contas, em abril, contando desde a introdução da medida, em 2016: a percentagem de vitórias dos visitados subiu de 46% para 63%. Os triunfos dos visitados caíram apenas um por cento, de 22 para 21%. E houve muitos menos empates: de 32 para 16%, praticamente metade. Sem grande ciência, mas são dados para se refletir quando - e se - a proposta subir ao Parlamento português.