Um histórico como poucos em Bragança, Ximena herdou nome de novela brasileira e jogou com Pizzi, tinha este 17 anos, nos quartos-de-final da Taça. Receção ao Braga motiva sonho e desafio ao amigo Eduardo
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Hoje presente na Direção, Ximena é dos nomes mais icónicos, saudados e alegremente trauteados em Bragança. Guarda-redes do clube 19 temporadas, soberano a mandar entre os postes e o no balneário, entrosando os novos com os veteranos, é também ele que pode responder pelas melhores campanhas do clube transmontano na Taça de Portugal, que atingiu os quartos-de-final, por duas vezes, na primeira década do novo século, em 2000/01 e 2006/07 - também o fizera antes em 79/80.
Encerrado um hiato de seis anos, após pendurar as luvas, Ximena viu o seu regresso ao clube coincidir com novo jogo grande para o Bragança, uma receção ao Braga, com indeléveis contornos especiais.
"Este sorteio foi sentido pelos brigantinos com enorme alegria. Somos acolhedores e, igualmente, lutadores pelos nossos objetivos. Tivemos uma estrelinha que nos calhasse um grande, não tendo o impacto dos outros três, já é um clube importante, que tem dado passos enormes nas suas competências, fazendo história. Há um trabalho espetacular do presidente", destaca Ximena, invocando alma gigante para uma afronta ao peso-pesado.
"Estamos contentes mas o nosso trabalho não está feito, sabendo que é um jogo exigente, temos esperança de passar. Não faltará motivação aos jogadores, um jogo assim trata disso de forma natural. Acho que os adeptos vão adorar ir a este jogo, alguns não terão oportunidade, porque os bilhetes vão esgotar. Mas podem contar com grande imagem da nossa equipa", avisa o antigo guarda-redes, recuando aos quartos de 2006/07, quando um rival histórico de Lisboa veio a Trás-os-Montes e ainda foi posto em sentido com um golo de Tony Afonso, hoje diretor-desportivo.
"Foi contra o Belenenses do Jorge Jesus. Que ficou em lugar europeu, penso, e chegou à final da Taça. Essa época foi incrível para nós, foi quando o Bragança chegou mais longe a exemplo de outra campanha pouco antes. Mexeu muito com a cidade, tal como jogo feito contra o FC Porto. Mas aí estava em início de carreira, não joguei. Contra o Belenenses, sim, a cidade ferveu", lembra, percorrendo imagens da euforia que correu Bragança. "Foi uma bonita casa, mais de 6 mil pessoas foram ver, na altura as escolas fecharam mais cedo e dispensaram todos os alunos. Hoje poderíamos ter 7 a 8 mil, mas as normas da segurança vão colocar a fasquia nas 5 mil. A cidade vai apoiar e acompanhar este grande momento", assegura.
Dores de cabeça com a frieza juvenil de Pizzi
Chamado à conversa é o maior elo de ligação entre Braga e Bragança.
"É verdade, tínhamos o Pizzi. Foi o último a entrar, jogou cerca de um quarto de hora. Tinha 17 anos, idade juvenil. Lembro-me que teve de fazer exames médicos, porque ia saltar dois escalões para fazer esse jogo", conta. As memórias do médio-ofensivo, hoje no Estoril, impedido de ir à terra-natal assistir a um confronto com doçura ao seu gosto no cartaz, disparam.
"Ele sai daqui para Braga e dá um grande salto, porque era muito acima da média. Foi uma alegria imensa vermos a carreira que fez. Já aqui era tecnicamente muito evoluído, com um ou dois toques punha a equipa a jogar. E tinha um grande à vontade a definir, com os seus 17 anos já era muito frio. Eu que o diga, lembrando os exercícios de finalização nos treinos. Com a minha experiência era batido pelo miúdo, sempre com classe", rebobina a fita, impondo Pizzi como figura maior saída de Bragança, em nome de um sucesso escrito no Benfica, como títulos, com presenças na Seleção e passagens ótimas pelo futebol espanhol.
"Estava destinado, a margem de progressão era enorme. Mas teve de lutar bastante porque em Braga não foi fácil, sofreu uma lesão na clavícula e passou por uns empréstimos", garante, definindo Pizzi no seu contacto com a cidade. "É o mesmo miúdo que saiu daqui, nunca mudou. Mesmo deixando de ter tanto tempo para vir à terra, passava por cá algumas vezes e ia ao café com os amigos. Humilde, tranquilo e pacato, muito estável a todos os níveis." O craque ainda agitou relações entre os clubes, por uma verba de direitos de formação reclamada em Trás-os-Montes e não atendida em Braga. "Foi um problema que existiu e andou nos tribunais. Agora, a direção aqui é outra e vamos tentar falar com o Braga num almoço para ver se possível cederem a receita completa pela importância que terá para um clube como nosso, do CdP."
Batismos com urina
Ximena conversa, mete ritmo endiabrado, e ainda junta um relato imperdível. "Pelos meus anos no clube, tinha alguma autoridade no balneário, mas também era o maior palhaço. Deu-se ali um tempo de uma equipa muito feita com prata da casa, 14 ou 15 jogadores. Pegou moda pregar algumas partidas aos mais novos, mais sonecas, ou aos que vinham de fora", oferece o contexto, antes de provocar o choque.
"No chuveiro punha-me a falar junto deles, num registo sério, e começava a urinar para a zona dos pés. Uns não davam conta, outros sentiam algo mais quente. Era engraçado, mas admito que podia chegar alguém que não gostasse. Como o Pizzi o Serginho passaram por isso e foram parar ao Benfica, a malta encorajava. Eu dizia 'venham tomar banho perto de fim se querem safar-se na vida'. Não era sempre, era uma praxe quando se justificava. Um ficou bem chateado, o Sílvio que veio de Fafe. Ele era um matulão e tive que me controlar para que não me batesse. Ficou tudo bem e hoje somos amigos", atira.
Feita de descontração e carisma, a história de Ximena em Bragança é bem conhecida e a visita do Braga também trará até si um amigo especial. "A relação com o Eduardo veio de nos juntarmos na seleção da AF Bragança de sub-14, ele vinha pelo Mirandela. Fomos adversários também mais tarde. Um grande profissional, sempre importante em qualquer balneário, trabalhou muito para fazer o que fez, ao ponto de jogar na Seleção. Vou tentar marcar com ele um jogo de veteranos", sugere, brincando sobre a forma de ambos.
"Ele deve estar melhor do que eu porque treina os guarda-redes. Eu deixei de jogar há seis anos, estou agora com a parte administrativa, por sorte, não ganho muitos quilos. Vamos lá ver, mas ele seguirá um bicho!", conta Ximena.
E, então, tópico final, Ximena, porquê, seu Virgílio Miguel? "É curioso, vem de muito novo e ficou até hoje. Numa viagem de autocarro de Lisboa para a Bragança, depois de um jogo de seleções distritais, vinha eu e o Tony sempre a cantar uma música da Pedra sobre Pedra, da novela, na qual havia a personagem Ximena. Ao chegarmos ele chamou-me Ximena à frente dos colegas e pegou de imediato."