Um sonho argentino em Bragança: "Trabalhei num restaurante para me aguentar"
As expectativas fintadas por Parini, que iniciou o trajeto em Portugal a trabalhar num restaurante em Miranda do Douro, na falta de clube para ser feliz
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Bragança vai querer "fazer" Taça diante do Braga, carregando a história de já ter sido osso duro de roer para muitos clubes do primeiro escalão. Promete desafiar no olhar, brigando no campo com inesgotável nervo. A equipa de André Irulegui tem argumentos para colocar no tabuleiro e procurar transcender-se, perante um rival que chegará com dimensão grande e intenções sérias na prova.
No plantel do Bragança, do Campeonato de Portugal, há um lote de argentinos com anos de riscos e solidão, mas também de crença e ambição. Estanga, Nahuel Machado e Diego Parini chegaram em 2019/20 e jogaram juntos no Mirandês, entre 12 homens das Pampas, iludidos por um empresário que lhes prometera abrir portas na Liga 3. Hoje resistem os três em Portugal, nunca se mudaram de Trás-os-Montes e defendem agora as cores do Bragança.
Parini, de 27 anos, é um dos craques, que chegou ao nosso país após ter jogado na primeira equipa do Gimnasia. Apesar das pretensões de se fazer profissional, de fazer carreira bem diferente em Portugal, o médio persegue os sonhos, e este jogo alimenta-o de expectativas. "Desde que cheguei, esta é uma das melhores fases da minha vida, a nível desportivo e fora do campo. Perdura a minha vontade de chegar longe, de estar nos principais campeonatos", atesta o médio, que já passou por Mirandês, Vidago e Mirandela. "Ainda não passei de semiprofissional. Não era o que pretendia e, várias vezes, pensei regressar à Argentina. Mas ainda tenho o sonho e fé de que as coisas vão resultar como idealizei", desabafa Parini, percorrendo dias malditos, de golpe e incredulidade."O meu primeiro contacto com Portugal não foi fácil: passei da AD Oliveirense, que iria disputar a Liga 3, com promessas de chegar rápido à primeira divisão, a não ter clube para jogar e a ter de trabalhar num restaurante para conseguir aguentar-me e voltar a escalar", situa o médio, desenvencilhando-se em Miranda do Douro.
"Vim da Argentina com um pré-contrato para jogar na AD Oliveirense. Depois não se concretizou, mandaram-me para o Mirandês devido a uma alegada parceria com a SAD da Oliveirense, o que também não se verificou. Não recebia dinheiro e tive de aceitar o restaurante, onde trabalhei quatro meses. E mais não digo, porque ainda corre um processo", relata, virando o disco e sussurrando o alívio. "Felizmente, dei a volta com a ajuda de pessoas que se aperceberam daquilo que estava a viver."
Percorridos anos de redescoberta, de reforço mental para enfrentar as contrariedades, Diego Parini encanta-se com o presente, suscitando crescentes palpitações. "A minha motivação nesta chegada a Bragança é alta. Tenho procurado uma vida mais estável e segura e tento aproximar-me dos meus objetivos, crescendo profissionalmente", atesta o médio, figura indispensável nas escolhas de André Irulegui, com quem travou amizade em Miranda do Douro, onde vivia o técnico, e de quem já havia sido jogador no Mirandela. "Temos forte relação de amizade, pois esteve presente nos momentos menos bons que vivi nos primeiros tempos em Portugal. A relação de treinador e jogador tem sido ótima", descreve.
Do ídolo Riquelme a Maradona
Ansioso por defrontar o Braga e entrar na festa da Taça, Parini acredita num dia para ficar na memória. "Será o jogo mais difícil e importante da minha carreira por cá. Mas acho que estamos preparados, vamos dar o melhor. Não é uma missão impossível, apesar da força do rival e de todos os seus pontos fortes", evidencia o argentino, fã de Riquelme e tocado por um cruzamento feliz de um gigante com o seu Gimnasia. "Joguei no Gimnasia dos oito aos 19 anos. Tornei-me profissional aí, com estreia na primeira equipa. Tinha como ídolo o Riquelme, pois adorava a sua forma de jogar, o seu estilo e paixão. E ver o Maradona treinar o Gimnasia, pouco depois de eu sair, foi algo incrível", documenta.

Lenda "Capello" e o abraço ao jogo de uma vida
Saúdem-se casos assim, brinde-se ao amor, ao compromisso com o clube da rua, da tua esquina, da tua terra. A relação de Capelo com o Bragança é uma lição, que ninguém belisca ou cala, é uma prova de devoção que supera a religião. Descontem-se missas ou procissões, apenas jogos e uma verdade que enche a alma, que se expande por uma camisola. São quase 30 anos de Fabien a jurar fidelidade ao Bragança, desde os seis anos, até aos amadurecidos 34. O jogo com o Braga afigura-se um presente de carreira, bem como um desarmante guia de méritos e livro de emoções. A tela é fácil de pintar, é um doce mergulho na infância. O pincel vai à fonte, desliza nas raízes e tantas inspirações.
"O meu sonho era representar a equipa sénior do Bragança. Consegui, tive várias propostas para sair, mas nunca pensei em fazê-lo. Pelo amor ao clube, à terra, e a tudo o que me deram. Quando desci, tive várias ofertas, queriam contratar-me, mas não podia abandonar o clube. Era a fase em que precisavam realmente de mim", acrescenta o médio, conhecido como Capelo, em honrosa menção a Fabio Capello, que somava títulos no Milan. "É uma vida dedicada ao clube desde os seis anos. Cheguei júnior à equipa sénior. Não esqueço a mágoa da descida à distrital, a primeira em 30 anos. Foi dura, mas, logo na época seguinte, subimos aos Nacionais. Hoje é um orgulho ser o jogador com mais jogos na história do Bragança", destaca Capelo, carregando 372 partidas com o manto brigantino. Resistiu a convites de Vitória B e FC Porto B.E, eis o Braga, a resumir uma carreira e a pedir a carga toda nos contentores da esperança.
"Para ser sincero, nunca tive sorte na Taça de Portugal, nunca cheguei muito longe na prova. Este é o jogo mais especial que vou ter nestes anos todos. Não só por ser o Braga, uma equipa de referência do nosso campeonato, num momento único na minha carreira, mas, pensando mais à frente, em tudo de bom que vai trazer para o clube e para Bragança", sustenta, agarrando os dados das suposições e premonições. "Perfeito era ganharmos, fazermos taça! É uma tarefa difícil, porque passaremos a maior parte do jogo sem bola. Mas vou apostar que vamos ganhar, perto do fim, com um golo do Danny", confidencia.
O médio escalpeliza ainda o honroso batismo que carrega, com Capello a virar Capelo. "Quando era miúdo, adorava futebol e jogava na rua. Era conhecido por todos no bairro como Fabien e como o treinador italiano estava na moda na altura, começaram a chamar-me Capello. Ficou até hoje, todos me tratam assim", atira o médio, dedicado à casa, mas nem sempre com retorno e respeito devido. "É uma ligação bonita, simultaneamente difícil. Tens de mostrar sempre mais do que qualquer um que vem de fora, és julgado mais do que outros. Como se costuma dizer, "santos da casa não fazem milagres" e muita gente ainda tem esse pensamento. É triste e, ao mesmo tempo, motivador. Com 34 anos, ainda ajudo o clube, dentro e fora do campo. Sempre dei tudo, e vou continuar a dar", promete.
"Jogo especial por causa de Pizzi"
Capello iria, seguramente, ter adorado o privilégio de treinar Moutinho. Brinca-se com essa indicação, numa bola de sabão irresistível, que rebenta na inevitável confusão de nomes. Agora fala mesmo o médio do Bragança sobre o campeão europeu do Braga. "Sempre foi um prazer vê-lo jogar. Adoro-o, na realidade. Com a idade que tem continua incrível, e é para mim o melhor do Braga. Vai ser bonito defrontá-lo", enfatiza, puxando por outra curiosidade que une os clubes. "Este jogo é muito especial em Bragança, porque o melhor jogador transmontano de sempre, o Pizzi, saiu de Bragança, ainda júnior, para o Braga. Ajudou muito o clube em cada transferência. Fez uma carreira fantástica, foi campeão, foi internacional, e é um grande símbolo para nós", admite Fabien, puxando pela memória. "Ainda joguei com ele na formação, porque é só dois anos mais velho. É um exemplo de qualidade e pessoa. Um fora-de-série", ilustra o médio.