Pepa explica meta do quinto lugar: "Vamos embora, míster, vamos atrás desse sonho"
ENTREVISTA PARTE I - Mergulho no futebol do Paços de Ferreira pela mão de Pepa, o treinador que inventou o surpreendente - e agora obstinado - quinto classificado da Liga NOS, um candidato europeu sem nada a perder
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Depois de dez jornadas no quinto lugar e a outras tantas do fim da Liga NOS, o Paços de Ferreira definiu a conquista da última vaga europeia como meta. Os resultados e um futebol consistente, do melhor que o campeonato oferece, abriram um horizonte mais além da permanência, assumido em pleno relvado da Mata Real, numa conversa após a vitória sobre o Moreirense, escrita em 45 minutos, com três golos que ilustraram bem os recursos do coletivo a que Pepa deu corpo: um nasce de uma bola ganha em antecipação pelo central, outro da cumplicidade dos médios, todos da velocidade dos alas e até da desconhecida qualidade de passe de Tanque.
O espelho da primeira volta mostra apenas uma derrota no caminho que resta, mas o treinador assegura que o compromisso assumido horas antes de a vantagem para o Vitória de Guimarães passar a nove pontos é, antes de tudo, com o jogo.
"Ninguém apaga o que está para trás, queremos manter ou melhorar não é os pontos, mas a constância de jogo"
Tem dormido com borboletas no estômago, desde que assumiu o quinto lugar como meta?
- Não, de todo. É algo em que acredito muito: quem pensa pequeno nunca vai atingir coisas grandes. Já atingimos a permanência, o principal objetivo. Estamos ainda na luta para ficar na primeira metade da tabela, não está matematicamente garantido, mas, a partir do momento em que estamos próximos de conseguir mais um feito histórico, não vamos deixar de assumir que é um objetivo. Não é ser vaidoso nem estar nos bicos dos pés, é o que é. Não deixa de ser jogo a jogo, mas tentar tudo o que estiver ao nosso alcance, é morrer a tentar, como se costuma dizer. Sem receio, sem estarmos obcecados. E não é drama nenhum se não conseguirmos. É mau, neste momento, cairmos para sétimo ou oitavo? É. Mas, não é drama algum. Pelo menos, vamos tentar.
Tinha planeado fazer aquela roda no fim, se vencessem o Moreirense?
- Há coisas que são espontâneas e ali foi um bocado... Havia a paragem, pensei: 15 dias sem futebol, por que não assumirmos? Mas, a tal roda não foi para comunicar; foi para comprometer os jogadores e ouvi-los. Porque é muito diferente quando há um compromisso de todos. Uma coisa é vir para fora dizer o que disse. Outra é perguntar-lhes: como é?
E como foi?
- Foi perguntar, pura e simplesmente. A um, a dois, a três, a quatro, a cinco. Juntámo-nos todos: como é? Não é preciso todos responderem, há a expressão facial, corporal: "vamos embora, míster, estamos todos juntos nisto, vamos atrás desse sonho". Foi um compromisso entre nós.
O calendário joga a favor do Paços de Ferreira, se olharmos ao que fez na primeira volta.
- Não, discordo a cem por cento. Não tem nada a ver.
Faça-me as suas contas, então.
- Aí é o mesmo, o tal chavão: é jogo a jogo. A própria experiência confirma-o. De resto, isso não existe, estarmos a olhar para o clube, se é fora, em casa... Alguém diria que íamos ganhar ao FC Porto aqui em casa, por exemplo? Ao Braga? Na Madeira, com o Marítimo? Não podemos olhar para o calendário e começar a pôr vistos: aqui é três pontos; aqui, se calhar, um; aqui três. Não, de todo.
Podemos olhar ao que a equipa joga, e joga muito. Os golos ao Moreirense mostraram-no bem. Já se viu tudo do Paços de Ferreira ou ainda tem mais para mostrar?
- Mais do que os pontos, nos dez jogos que faltam, queremos, acima de tudo, manter a regularidade em termos de exibição. É uma equipa que tem dado um gosto enorme. Às vezes, podemos olhar para uma equipa e é muito forte numa coisa ou noutra, mas depois falta sempre algo.
"Vejo uma equipa forte na bola parada defensiva e ofensiva e não é muito alta, o que é sinónimo de trabalho e abnegação"
Este último jogo mostrou-a forte de uma ponta à outra.
- Mostrou e, modéstia à parte, aconteça o que acontecer nos últimos dez, porque temos noção de que ninguém apaga o que está para trás, queremos manter ou melhorar não é os pontos, é a constância de jogo, porque isso é que nos vai deixar mais próximo de ganhar. Vejo uma equipa forte na bola parada defensiva e ofensiva e não é muito alta, o que é sinónimo de trabalho e abnegação, espírito de sacrifício, solidariedade, concentração. Vejo uma equipa que não permite muitas oportunidades de golo aos adversários: veja-se, por exemplo, em jogos de dificuldade extrema com o Sporting, em Alvalade, ou o FC Porto, no Dragão; e perdemos, mas faz parte. Somos muito fortes na transição ofensiva, ou seja, quando recuperamos a bola, e viu-se também neste jogo, somos muito rápidos na procura da baliza, mas também conseguimos ter bola. Isso torna-nos uma equipa camaleão, com uma variedade de opções no próprio jogo que nos deixa muito confortáveis. E depois, somos muito agressivos, é verdade.
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"Fazemos muitas faltas, mas não por desespero"
Equipa que cai em cima da bola de olhos fechados, o Paços de Ferreira é um exemplo bastante agradável à vista da agressividade que o futebol reclama e Pepa não esconde o orgulho que sente, mesmo quando a vê entre as mais faltosas do campeonato.
Neste caso, os números não dizem tudo, defende: "Somos das equipas que mais faltas fazem, mas não são faltas de desespero. É agressividade sadia". Se assim não fosse, acabaria por "não bater certo" o facto de esta ser, também, "das que menos amarelos" vê, nota: "Isto dá que pensar, porque a equipa defende de frente para o jogo; e é uma falta que, à partida, não dá amarelo. Normalmente, não se encontra desequilibrada, não tem de fazer faltas para amarelo ou vermelho; uma equipa que gosta de defender fora da área, para não levar o tal amarelo e vermelho e [fazer] penálti. Ou seja, fazemos muitas faltas? Fazemos, mas levamos poucos amarelos porque sabemos onde as estamos a fazer e, por vezes, para onde queremos levar o adversário: se pararmos ali a jogada, temos tempo de ficar outra vez organizados, de frente para o jogo, e aí é muito mais difícil entrar na nossa equipa".