"Em Portugal, o futebol é mais intenso. Se o jogador não se adapta rápido, o adversário engole-o"
ENTREVISTA - João Afonso sofreu uma rotura de ligamentos quando o Gil apenas lutava pela permanência e agora, dez meses depois, não vê o momento de ser chamado por Ricardo Soares, já com outros objetivos em mente.
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Ainda se lembra da forma como se lesionou?
-Lembro-me, foi contra o Moreirense. Foi um lance parvo, um pontapé de baliza, em que saltei para a bola e um avançado do Moreirense derrubou-me, fazendo-me cair sobre uma perna apenas. Faltava muito pouco para terminar a primeira parte, segundos mesmo. Fiquei no chão, lá me consegui levantar, o árbitro apitou e fui para o balneário. O médico avaliou e viu logo que não dava mais.
Mas sentiu na altura que era uma coisa grave?
-Não senti sequer dor. Quando caí, senti um choque, mas não tive a noção do que era. Mas quando fui para o balneário e vi que a perna estava diferente, pensei que tinha alguma coisa de errado. Depois de mais exames, percebi que me tinha lesionado a sério... E aí foi um choque, mas depois vai-se absorvendo a ideia.
Esperava que a paragem fosse tão prolongada?
-Não, não esperava. Apesar de saber que há muitos protocolos, que não nos deixam regressar antes nesta situação, o tempo parecia que não passava, que demorava o dobro. Agora, olhando para trás, parece que foi rápido, mas foi um processo muito complicado.
Quais as principais dificuldades que sentiu neste processo tão longo?
-Desde que nasci nunca tinha ficado tanto tempo sem poder jogar à bola, sem fazer as coisas que gosto. Mas acho que o mais difícil foi quando a equipa começou a disputar os jogos e eu ia ao estádio, mas sem poder jogar. Parecia que não fazia parte da equipa, não me sentia útil. Foi uma fase muito complicada. Fora, claro, toda a fisioterapia, que não é fácil, mas estar tanto tempo sem tocar numa bola foi ainda mais difícil. Foram seis, sete meses sem o poder fazer.
E quando voltou ao relvado com bola, como se sentiu?
-Foi uma sensação de medo, de insegurança. Não sabia ainda ao certo se podia fazer determinado movimento, mas, ao mesmo tempo, foi também uma sensação de alívio, com a saudade que estava de voltar a treinar. Realmente estava a voltar a fazer o que gosto e isso foi muito bom.
Em fim de contrato e com uma lesão tão grave, que não lhe iria permitir começar a época, estava a contar que o Gil Vicente renovasse consigo?
-Era um momento de incerteza, não sabia o que ia acontecer, mas fiquei muito feliz, porque o clube acreditou em mim. Deu-me todo o apoio. Fiquei muito descansado quando me procuraram para renovar, porque era um momento da minha vida e da minha carreira muito difícil, que me deixou atordoado. A família ajuda muito, mas não deixa de ser uma pressão, porque vês que tens ali pessoas que dependem de ti e quando o clube me chamou para renovar, fiquei mais descansado. E isso também ajudou na recuperação, porque vinha com mais vontade ainda, com a cabeça mais leve. Graças a Deus tenho recebido todo o apoio por parte do clube.
Tem pena de ainda não ter jogado nesta fase em que o clube está lá em cima?
-Tenho. Porque é difícil ficar de fora e ainda mais porque estás lesionado, mas acho que ainda vou a tempo. Vou trabalhar para ainda poder ajudar estar época. Jogando ou não, o importante é o míster saber que estou à disposição. Estou ansioso que me chame.
"Se um jogador não se adapta rápido, o adversário engole-o"
Médio-defensivo que gosta de sair com a bola a jogar, João Afonso olha para Casimiro como uma "referência". O ex-FC Porto, atualmente no Real Madrid, para além ter caraterísticas com as quais se identifica, também é brasileiro, o que contribui para a admiração. Relativamente às diferenças entre o futebol no Brasil e em Portugal, o médio destaca a velocidade. "Aqui é muito mais rápido, mais intenso. Não há muito tempo para pensar. No Brasil podemos ficar mais tempo com a bola no pé. Cá é tudo a outro ritmo, mais veloz; se um jogador não se adapta o mais rápido possível, o adversário engole-o."
"Como afirma o míster, o Gil é uma família"
João Afonso não poupa nos elogios ao clube, mesmo numa fase em que, embora recuperado de lesão, não tem sido chamado pelo treinador.
Era titular indiscutível no Gil quando a equipa estava a lutar pela permanência, uma situação bem diferente da atual. O que acha que mudou no espaço de um ano para o Gil estar agora em lugares europeus?
-Tivemos uma perda considerável de jogadores, mas penso que o fundamental foi a permanência da equipa técnica. Os jogadores que já cá estavam conseguiram passar a mensagem aos reforços. Nesse sentido, mesmo com atletas novos no plantel, a equipa não estava em formação. É um clube que é como uma família, como o míster diz. Quem chega tem uma adaptação fácil e isso ajuda muito. Obviamente que em 2019/20 foi mais difícil, porque o clube vinha de uma subida repentina, desde o Campeonato de Portugal até à I Liga, na sequência do caso Mateus. Mas percebe-se que é um clube sério, correto e que apenas precisava de tempo para tudo correr bem.
É também mérito da estrutura, que estabilizou e que, por isso, consegue atrair bons jogadores?
-É mesmo isso. Quem cá chega vê isso e quem está de fora também. A mensagem passa. Quando as coisas correm bem fora de campo, existem reflexos também lá dentro.
O Vítor Carvalho tem quatro cartões amarelos e pode estar em vias de abrir um lugar no onze...
-Não vou torcer para que leve o quinto cartão, mas quando isso acontecer, quero estar pronto para dar o melhor. Sinto-me pronto. No início, quando comecei a treinar, tinha um bocado de medo, tinha desconfiança depois de tanto tempo fora, mas agora sinto que já estou pronto.
O Vítor Carvalho assumiu o seu lugar quando se lesionou. Ele jogava um pouco mais à frente e agora recuou para trinco. Como avalia a prestação dele?
-Está a jogar muito bem. É um bom jogador e, quando a equipa está bem, todos conseguem jogar melhor. As individualidades sobressaem.