Antigo capitão da Seleção Nacional e do Benfica, que guiou ao título europeu em 2010, é o sócio-gerente de três academias de futsal/futebol, em Guangzhou, na China.
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Figura histórica do futsal português, André Lima está a dar que falar na China. Antigo capitão da Seleção Nacional e do Benfica, clube pelo qual somou inúmeras conquistas como jogador e treinador - levou as águias ao inédito título europeu em 2010 -, André Lima é o rosto de um projeto que visa fomentar o futsal e também o futebol no país mais populoso do mundo.
Graças ao bom trabalho efetuado desde 2011, ano em que foi treinar para a China, foi desafiado para novas funções e aceitou, numa altura em que até tinha outros convites em carteira, pois o clube que orientava abdicou de participar na liga. Entusiasmado com a matriz apresentada no final da época de 2015, André Lima respondeu afirmativamente e hoje está à frente de três academias de futsal/futebol com cerca de 500 alunos, com idades entre os quatro e os 18 anos, isto sem contar com as parcerias por toda a China. É em Guangzhou, capital da província de Guangdong, que André Lima faz de tudo.
"Sou o sócio-gerente e a imagem das academias. Faço trabalho prático, dou formação e ajudo na parte burocrática", conta André Lima, 45 anos. "Somos uma academia jovem com quase dois anos e está a dar-me um gozo enorme ver algo meu a crescer num país tão competitivo como é a China. As metas são apostar na qualidade dos treinadores, do treino e a curto prazo ser uma referência no país", sublinha, reconhecendo que a continuidade do projeto "depende do sucesso do mesmo". "Pode acabar amanhã como pode ser um projeto para toda vida", atira.
Para já, de forma apaixonada, está empenhado em ensinar e aprender... com os mais novos que já puderam constatar que o pé esquerdo do "mestre" continua com a mesma categoria de há uns anos. E, segundo André Lima, passar a treinar jovens, depois de trabalhar com homens feitos não foi problema.
"Quando se tem paixão pelo trabalho que fazemos, a importância da idade é relativa. O que muda são os objetivos. Aprende-se sempre seja onde for. Com os chineses aprendi que, independentemente das culturas, o ser humano é igual em todo lado, com os seus defeitos e virtudes. Incutir valores nos jovens tem de estar implícito quando se fala em formação", enfatiza, lembrando que também tem uma forte ligação ao desporto-rei.
"O meu trabalho continua a ser mais virado para o futsal, mas tenho de lembrar que a minha formação até aos 24 anos foi no futebol. O bichinho do futebol sempre esteve comigo e estou sempre disponível para aprender."
A aprender mandarim para dispensar o tradutor
André Lima ainda não domina a língua, mas espera dar conta do recado em breve. "Neste momento, estou a tirar um curso de mandarim, mas ainda preciso de um tradutor nos treinos. Mais uns meses e já posso dispensar o tradutor", afirma o ex-futsalista, que conta com o apoio da mulher na China, essencial para minimizar uma "adaptação muito difícil" à nova realidade. "Tudo é diferente aqui, a comida, a mentalidade, até o tempo que faz em Guangzhou durante todo ano. É um calor quase insuportável. No início foi muito difícil, porque o futsal era totalmente desconhecido, mas aos poucos foram-me dando as condições que pedia e acabei por ficar mais tempo."
Mudar a cara da seleção
Do Ko Wong Meng, primeiro clube, saltou para a seleção chinesa, mais uma etapa complicada em 2012. "O que encontrei foi uma seleção que era representada, na sua maioria, por jogadores de uma só equipa e já com idade avançada. Pediram-me para fazer uma renovação e chamei jovens estudantes para treinos de captação, todos eles sem conhecimento básico do futsal. Aos poucos, fui criando uma seleção, mas sempre com grandes dificuldades, já que o futsal na China ainda é uma modalidade quase desconhecida. Apesar dos problemas para estágios, nos dois anos em que estive na seleção, deixei trabalho feito. Com os jovens que lá deixei, já conseguem bater-se com as seleções vizinhas, mas continua a ser preciso muito trabalho organizativo", relata. Por isso, mesmo com um "potencial enorme" de crescimento, André Lima sente que "vai demorar algum tempo" até que a China esteja presente num Mundial.
Equipas femininas no horizonte
Já com "boas bases" nas academias, André Lima assume que "o próximo passo será virado para o futsal/futebol feminino". E para o antigo futsalista, trabalhar com mulheres nem será novidade, dado que em 2013 viveu "uma das experiências mais incríveis" da carreira à frente da seleção feminina chinesa. "Nunca na minha carreira tinha trabalhado com o desporto feminino, até ao convite da federação chinesa, no sentido de criar uma seleção feminina de futsal. Foi tudo fantástico, desde a disponibilidade delas para aprender, à paixão com que viviam o treino e o jogo. Foi algo que nunca tinha visto", recorda André Lima, confessando-se surpreendido pela "facilidade" com que as meninas "aprenderam as bases do futsal em tão pouco tempo." "Espero um dia poder repetir a experiência e trabalhar de novo com uma equipa feminina", diz.
Construir uma casa pelo telhado no futebol
André Lima ainda não teve oportunidade de trocar impressões com André Villas-Boas, Jaime Pacheco ou Luiz Felipe Scolari, técnicos que estão à frente de equipas da Superliga chinesa. No entanto, o avultado investimento que tem sido efetuado no futebol não passa ao lado do antigo capitão da Seleção Nacional que encara as contratações milionárias com desconfiança. "Olho para isso como se começassem a construir uma casa pelo telhado. O futebol chinês precisa urgentemente de um grande investimento na formação e criação de campeonatos nacionais para jovens que querem ser jogadores profissionais. De outra forma, vai ser muito difícil atingir um patamar aceitável", analisa.