A J foi até Mozelos, no concelho de Santa Maria da Feira, para poder contar-lhe um pouco mais sobre as origens de Rúben Neves, esta quarta-feira distinguido com o título de Jovem Promessa do Ano, na Gala do Desporto. Das brincadeiras com vassouras, em miúdo, no pátio da avó, às memórias da professora primária, Angelina Regadas, passando pela tatuagem "família" que partilha com os primos
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Na história da Liga dos Campeões ficou marcado o dia 20 de outubro de 2015 quando o "menino" Rúben Neves, com tenros 18 anos e 221 dias, tornou-se o jogador mais novo a capitanear uma equipa. O miúdo, que treinava de quando em vez no pelado de Lourosa e que, quando foi às captações no Campo da Constituição, entre 500 crianças, levou meia hora a assinar pelo FC Porto, cumpriu o trajeto de jogar sempre um escalão acima da idade e a subida vertiginosa na curta carreira foi confirmada em duas temporadas: de juvenil a referência dos dragões - iam buscá-lo a casa para treinar - Rúben Neves é o capitão-orgulho da freguesia de Mozelos, onde não há ninguém que não conheça os Neves, uma geração de futebolistas.
A família de Rúben Neves é tão extensa que dá para fazer uma claque só para o jogador. Pelo menos uma vez por mês cerca de 50 pessoas reúnem-se para um almoço em casa da avó de Rúben. O dragãozinho marca sempre presença, a menos que tenha jogo.
Na mesa da sala de jantar há um espaço dedicado à juventude, onde o médio do FC Porto se senta juntamente com os primos, também eles jogadores da bola. Mas já lá vamos. Entre o pernil do último convívio e os assados da avó com a ajuda das tias, os mais novos falam... de futebol, pois claro, e essencialmente do FC Porto. "É Porto, Porto, Porto...", melhor resumo era impossível nas palavras do primo Rui Pedro.
Dos primos, Rúben ouve perguntas sobre os estágios, os colegas, o dia a dia no reino do Dragão, que tem agora uma personagem que suscita maior interesse: Iker Casillas. O tom muda quando se sai do azul e branco e se entra no vermelho, pois, para os Neves, o Benfica é o eterno rival. "O Benfica é para destruir", brinca Rui Pedro.
PRIMOS AQUI E ALI
Lourosa é uma freguesia vizinha de Mozelos e também o nome do clube onde as histórias de Rúben Neves e dos primos se cruzam. De Rúben já se sabe que deu os primeiros toques no pelado do Lusitânia, mas Rui Pedro, que é guarda-redes, foi campeão da AF Aveiro em 2013, pelo emblema agora na Série D do Campeonato de Portugal, e como suplente tinha Hugo Ferreira, que ainda por lá se mantém. Rui Pedro chegou, aliás, a jogar na II Liga pelo Espinho, para onde voltou esta época. Ricardo Neves é médio no Paços de Brandão e Fábio Neves central do Arrifanense, ambos dos distritais de Aveiro, mas formados no Lourosa.
A ligação entre primos é forte, e Rúben bem tenta ir ver o jogo de algum, mas volta e meia o mediatismo ganha força. "No ano passado, foi ver um jogo meu a Mosteirô da Feira, mas ao intervalo não conseguiu fazer nada, estava muita gente à beira dele", diz Ricardo que tem que ouvir do primo se fizer um mau jogo, mas também, avisa, "leva na cabeça se lhe fizerem uma "cueca"".
Das freguesias de Santa Maria da Feira têm, até, despontado vários talentos. De Mozelos também saiu Samu, médio do Boavista, em Argoncilhe nasceu André Martins, do Sporting; o lateral Ivo Pinto, do Dínamo Zagreb, é natural de Lourosa e Sérgio Oliveira, colega de Rúben, é de Paços de Brandão e chegou a estudar com o Ricardo Neves.
Do FC Porto, Rúben Neves também traz prendas para os primos. Para Hugo vieram umas chuteiras utilizadas por Herrera e Ricardo Neves foi calçado por Ricardo Pereira, agora no Nice. Mas os guarda-redes da família ainda aguardam pela melhor prenda. E que tal umas luvas de Casillas? "Se servissem... pois claro", suspira Rui Pedro.
Família de portistas... com um desertor
A transferência do bibota de ouro, Fernando Gomes, do FC Porto para o Sporting, no final da década de 1980, também resultou na mudança de clube de Rui Pedro, o único que não é portista entre os 50 membros dos Neves. Desde aí, Rui Pedro ficou leão e garante que agora é "até ao fim sportinguista". No Estádio do Dragão reza-se, aliás, para que Rui Pedro não esteja na bancada a ver os jogos do primo. Isto porque, quando o faz, o FC Porto perde. "Fui ver o FC Porto-Nacional (0-4) da época do Couceiro, o FC Porto-Sporting (0-1) com um golo do Tello e, no ano passado, o jogo da Taça de Portugal, em que o Sporting venceu 3-1", conta. Nesse dia, Rui Pedro saiu a rir, mas caladinho, pois em dia de desaire azul, ninguém pode falar aos primos. É o único da família que quer que o Sporting seja campeão, mas sempre a torcer por uma grande época de Rúben. De resto, ver um jogo em casa dos Neves é o mesmo que estar no estádio e, quando Kelvin deu o título frente ao Benfica, em Mozelos gritou-se durante mais de dois minutos.
Entre o Real Madrid e o Liverpool
Na hora de falar sobre a qualidade do primo caçula, o tom sério apodera-se da conversa. Entre menções várias de "orgulho", os quatro fãs de Rúben Neves falam de uma qualidade que já se notava desde cedo. "O Rúben é uma pessoa inteligente, tranquila, que aceita bem o mediatismo que lhe está acontecer muito rápido, está a ser bem acompanhado porque não é normal um miúdo em dois anos passar dos juvenis para capitão do FC Porto", comenta o mais experiente, Rui Pedro. No braço, Rúben enverga uma braçadeira usada por antigos símbolos do clube como João Pinto ou Jorge Costa e, quando o momento chegou pela primeira vez, precipitado pela lesão de Maicon frente ao Belenenses, na bancada estavam Ricardo e Fábio, que antes já lhe tinham dito: "Rúben, vamos ao estádio e tu vais ser capitão". E assim foi!
As asas de Rúben batem cada vez mais, tanto que o Dragão começa a ter problemas para as seguir e os primos sabem disso. "Vai ser inevitável", prevê Rui Pedro que, tal como Hugo, gostaria de ver o futebol tricotado de Rúben brilhar na relva de Anfield Road ao ritmo do rock dos Beatles. Já Ricardo e Fábio Neves preferem algo mais perto e junto do melhor do mundo, como um pêndulo a funcionar no meio-campo merengue do Real Madrid. No entanto, o presente é no reino azul, onde há uma dívida com os títulos e é preciso "ganhá-los todos", segundo Fábio Neves. Enquanto isso não acontece, o menino vai crescendo, ao passo alucinante com que se desenvolveu até aqui, numa descrição sucinta de Ricardo Neves: "Um miúdo de 18 anos... É surreal..."
(texto publicado na revista J de 1 de novembro)