Brilhou no Braga, jogou no Sporting e no Benfica e até marcou o primeiro golo da história do novo Estádio José Alvalade. Aos 36 anos, Luís Filipe dedica-se agora à produção de fruta. Tem 3,6 hectares de terreno entre Faro e Olhão, apanhou 30 mil quilos na colheita inicial e considera já tratar-se de um negócio de futuro. Teve convites para continuar a jogar quando deixou o Olhanense, mas preferiu dar estabilidade à família.
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"Berry Land", ou terra das bagas em português, é o estádio onde agora se movimenta Luís Filipe. O antigo jogador de Sp. Braga, V. Guimarães, Sporting e Benfica, que terminou a carreira no Olhanense, pendurou as botas há dois anos e iniciou uma nova carreira, a de empresário agrícola, dedicando-se à produção de framboesas, num terreno já com alguma dimensão, perto da EN 125, entre Faro e Olhão. Um projeto que surgiu por acaso, influenciado por pessoas amigas que trabalham "no ramo da comercialização de frutas" e também por força do aspeto familiar: "Não quis submeter os meus filhos a mais uma mudança de escola e de hábitos, sobretudo porque toda a família está adaptada ao Algarve e gosta de cá viver", justificou Luís Filipe, que recebeu a J no terreno, onde cultiva framboesas.
A área tem 3,6 hectares e funciona desde agosto de 2014, quando começou a montar o primeiro hectare. A framboesa, explica, "tem a vantagem de produzir duas vezes por ano". Tudo o mais depende de quando se planta. Entre cultivar e produzir passam quatro ou cinco meses, depois surge um interregno e a seguir volta o mesmo ciclo. "Agora, aproxima-se uma segunda campanha e vamos ter o período da apanha", prossegue o jovem agricultor, cujo produto se destina, essencialmente, aos países nórdicos.
"A empresa com quem trabalho tem os seus clientes, penso que na Rússia, Noruega e Suécia, entre outros destinos, mas a minha função consiste em produzir bem e entregar a fruta com qualidade. Se é rentável? Antes do negócio, fiz um estudo de mercado e um estudo financeiro, e os indicadores apontavam para um negócio rentável. Houve investimento inicial, claro, e agora é esperar pelo retorno. Mas a campanha inicial deixou-me entusiasmado: 30 mil quilos no primeiro hectare", exclama, a sorrir, Luís Filipe, apontando para as filas de cultivo meticulosamente distribuídas ao longo das grandes estufas.
"Esta é uma das coisas boas que o Algarve tem, já que não depende da sazonalidade, e por isso fui avançando com o projeto. Só temos framboesa, por indicação das pessoas que fazem a comercialização e também dos técnicos. E por isso preferi arriscar num só fruto e na sua qualidade." Luís Filipe, já se percebeu, é apenas o produtor. As plantas são compradas a quem tem, depois, a exclusividade da venda da fruta. "Tudo o que apanho aqui entrego a esse comerciante, que depois distribui. Só faço produção e o objetivo é ter boa fruta, o que se segue já não me diz respeito."
Natural de Cantanhede, o antigo lateral-direito conhecia o meio, já que em criança ajudou tios e avós a vindimar e a apanhar batatas. "O meu pai também gosta, em especial agora que está reformado. Não foram as minhas raízes que influenciaram a decisão, mas nada disto me assustou, embora este tipo agricultura fosse uma novidade." Luís Filipe trabalha a tempo inteiro com uma engenheira agrícola e mais duas ou três pessoas que fazem a manutenção do espaço. Depois, subcontrata funcionários a empresas especializadas de trabalho temporário. "Durante o pico de atividade, preciso de 20 ou 30 pessoas, mas a seguir o trabalho diminui. Volto a contratar no pico seguinte." De momento, o produtor não pensa dedicar-se a outros frutos, como amoras, morangos ou mirtilos. A framboesa é a aposta de futuro... e para o futuro. "Pelo que vejo, é um tipo de negócio viável, com mercado, desde que bem feito."
As melhores épocas em Braga
Para trás desta nova faceta ficou uma carreira interessante. Luís Filipe fez 340 jogos ao mais alto nível, mas a despedida foi consciente. "Mesmo que continuasse a jogar, esta ideia ia para a frente, inclusive porque a minha mulher também toma conta do negócio. Quando acabei contrato com o Olhanense, surgiram alguns convites e ponderei entre olhar para mim, para o gosto de jogar, e a família. Se mudasse, mais uma vez iam todos atrás, criando instabilidade, outra casa, outra escola. Então, decidi que o mais importante era o lado familiar, o estar mais perto dos filhos e passar os fins de semana em casa. Não era por jogar mais um ou dois anos que ia fazer carreira, a minha já estava feita." Com o negócio em andamento, Luís Filipe nem sentiu falta do futebol. "Deixei de jogar ao mesmo tempo que a quinta arrancou e foram meses complicados, de contrarrelógio. Fiquei absorvido, esqueci-me do futebol e nem notícias sabia. Embrenhei-me totalmente no projeto."
Da carreira, longa, não se arrepende de nada. "Podia ter feito uma ou outra coisa melhor, diferente, mas só isso. Tentei sempre ser um profissional bom e íntegro, que é o mais importante, porque o jogar-se bem ou mal é com o treinador e com as pessoas que decidem. Ser sério é fundamental e ninguém pode dizer o contrário. Orgulho-me de ter sido, nesse aspeto, um profissional exemplar", reconhece, considerando as suas melhores épocas as que passou no Sporting de Braga, em duas alturas distintas. Luís Filipe saiu primeiro para o Sporting, e, numa segunda fase, após ter voltado a Braga, acabou por sair para o Benfica. "As passagens pelo Braga marcaram-me, a par, naturalmente, dos anos em que estive nos grandes, onde ganhei títulos. No Sporting e no Benfica não joguei com tanta frequência, é verdade, mas ganhei títulos e estive lá."
Nos grandes, Luís Filipe ficou um pouco aquém das expectativas, quiçá por sentir de mais a pressão. A "ansiedade e a responsabilidade" de querer fazer mais e melhor "inibiram". "Tentei a perfeição, tinha medo de errar, e quando as coisas não saíam tão bem, tornava-se uma bola de neve. Tentei contrariar, mas sem grande sucesso. É algo que assumo", opina.
Um golo histórico
Em agosto de 2003, Luís Filipe entrou para a história do Sporting, ao apontar o primeiro golo de sempre no novo Estádio José Alvalade, na vitória de 3-1 sobre o Manchester United. "É mais uma recordação boa, um momento que marca, na inauguração de um estádio de um clube que tem uma história rica e vastíssima. Se calhar, só daqui a 100 anos o clube terá outro estádio. Sim, acho mesmo que fico na história", diz o antigo jogador, que, em relação a uma possível carreira como treinador, torce o nariz. "Nunca me despertou a atenção. Gosto de falar de futebol, mas acho que não tenho perfil para ser treinador. Até posso estar errado, mas não penso nisso."
Já em relação a outras áreas, nomeadamente a do dirigismo, admite que os conhecimentos adquiridos ao longo de tantos anos possam provocar algum efeito. A propósito, chegou a integrar a lista do ex-companheiro Ricardo nas eleições para a Associação de Futebol do Algarve. "Mesmo com pouco tempo, aceitei o convite porque pensei que podia ser uma mais-valia para melhorar o futebol algarvio e trazer coisas novas. Foi só nessa perspetiva, não para fazer carreira. Estou tranquilo e futebol só com amigos. E pouco", confessa, referindo que lá em casa acabam por ser a mulher e o filho os mais entusiastas com uma transmissão televisiva. "Claro que gosto, o futebol corre no sangue, mas agora a preferência é a quinta. Desporto? Pratico padel, porque necessito transpirar e sinto falta de atividade física", adianta.
Feliz da vida no Algarve e na sua casa de Vilamoura, é por ali que quer continuar. As framboesas, para já, são o seu caminho. "Venho cá todos os dias, para ver e fazer o que é preciso. Continuo a trabalhar e surgem sempre coisas novas, inclusive para decidir. E é giro ver isto crescer."