Tornou-se conhecido por dar dicas de culinária aos portugueses em horário nobre da RTP, mas por essa altura já fazia sucesso no mundo da restauração e da gastronomia. Foi também por causa da comida que Kiko Martins, de 36 anos, começou a correr - "Se não o fizer, facilmente me transformo numa bola."
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Foi em 2011, durante uma viagem gastronómica de 14 meses, até à mesa de famílias de 26 países, que o Chef Kiko Martins deu os primeiros passos de corrida. "Ia sensivelmente a meio da minha epopeia. Estava na China, já com seis meses de viagem, 12 países de muita comida, e comecei a sentir-me pesado e cansado. E ainda tinha muito caminho a percorrer. Andava muito a pé, mas não estava a chegar. E foi na China que comecei a correr. No primeiro dia foram apenas três minutos e quando acabei estava triste. Tinha 30 anos e não podia estar naquele estado. No dia seguinte já consegui correr cinco minutos... e depois dez!"
Nascido no Rio de Janeiro em 1979, mas a viver em Portugal desde os 11 anos, Kiko Martins é licenciado em Gestão de Marketing, mas muito cedo percebeu que a cozinha era o seu futuro. Em Paris estudou na Cordon Bleu e trabalhou em alguns dos mais conceituados restaurantes europeus, como o Ledoyen, AM Le Bistro, Eleven ou o The Fat Duck, do "chef-cientista" Heston Blumenthal. Depois de tudo isso decidiu embarcar nessa volta ao mundo gastronómico na companhia da mulher, Maria, uma viagem que lhe despertou a inspiração para o sucesso culinário que viria a conseguir, mas também para o bichinho da corrida. "Quando cheguei aos Estados Unidos já conseguia correr 30 minutos seguidos e depois, no Chile, entrei na minha primeira prova. Foi na Patagónia, com muito frio, que me inscrevi numa corrida de 10 quilómetros. Nem tinha roupa apropriada para aquelas temperaturas, tive de comprar. Fiz um tempo muito bom: 42 minutos."
A vida a correr
De regresso a Portugal, o chef não deixou a corrida e foi aumentando a distância até à maratona, isto também à medida que crescia profissionalmente. Em 2013 abriu O Talho, ponto de encontro para os amantes da carne, no mesmo ano em que entrou para o "corpo docente" do Chef"s Academy, a escola de cozinha da RTP, e no ano seguinte inaugurou um novo espaço, A Cevicheria. Por essa altura colocou a estrada de lado e dedicou-se ao trail, um novo tipo de corrida. "São desportos diferentes. O trail é menos competitivo, mais agradável e amigável, estamos na natureza, há menos preocupação com os tempos e a velocidade. Só queremos acabar a prova, tudo o resto é acessório. Apenas queremos divertir-nos. Quando se torna uma obsessão, uma obrigação, quando passamos a viver para correr, então deixou de fazer sentido."
A vida do chef Kiko não é correr, mas é o próprio que confessa passar a vida a correr. Entre restaurantes, gravações, projetos e a vida familiar, todo o tempo é contado. "A minha vida é assim, sempre a correr de um lado para o outro. E a corrida é, talvez, o único desporto que consigo colocar na minha agenda. Jogar futebol, ténis ou qualquer outro desporto é impossível. Para correr não dependo de muita coisa. Posso correr de dia ou de noite, a chover, com frio ou calor e posso correr sozinho. A única condição é que não se pode sobrepor ao trabalho e à família. Treino duas vezes por semana no grupo de corrida Hora do Esquilo, em Monsanto, às seis da manhã. Quando chego a casa ainda os meus filhos estão a dormir. E ao fim de semana, nos meus treinos longos, saio de casa também bem cedo. Este ano, quando andei a gravar o Cook Off - Duelo de Sabores para a RTP, corri em todas as regiões por onde passámos, desde Tavira ao Minho. Onde estávamos a gravar, eu corria. Acordava mais cedo e ia. Quando voltava estava pronto a gravar. A corrida tira-nos da cama e dá-nos força. Chego à cozinha com mais vida e garra, mais em forma."
Abastecimentos Gourmet
Vivendo o chef Kiko de e para a comida, a corrida acaba por ser um fator essencial na sua vida. "Se não correr, facilmente me transformo numa bola." Os conhecimentos gastronómicos não fizeram, contudo, com que se tornasse num estudioso da nutrição desportiva. "Não penso muito nisso. Como hidratos de carbono antes de uma prova, para dar força, mas fora isso gosto é de comer bem. Para os treinos, por exemplo, gosto de levar a minha comida... gourmet. Faço uns wraps com queijo da ilha e presunto de pata negra, por exemplo. Gozam sempre comigo. O gel energético faz-me alguma impressão, gosto de comer um wrap com bom conteúdo. Mas tenho de o fazer às escondidas... para não ser assaltado." E o tempo passado a correr também serve para colocar as ideias em ordem e, às vezes, conceber um novo prato. "Nos treinos que faço de manhã penso em pratos que vou fazer nesse dia ou em experiências futuras. Por exemplo, estou agora a mudar a carta d`A Cevicheria e uma das novas receitas foi pensada precisamente num treino matinal: Ceviche de Atum com líchias, foie gras e beterraba." Se soa bem, melhor deve saber.
(Este texto foi publicado, na íntegra, na revista J de 11 de outubro de 2015)