Se gosta de correr, conhecer pessoas e aventurar-se em novos locais, vai querer saber o que são as Secret Run. Mas atenção: é segredo!!
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Sabem onde começa, mas não sabem onde acaba. Também não sabem o percurso, nem quantos quilómetros terá, se é fácil ou difícil, bonito ou feio. São as corridas secretas e só alguns eleitos têm o privilégio de participar. Nós fizemos parte desse grupo restrito.
Ponto de encontro: topo do Parque Eduardo VII, em Lisboa, às 19 horas. Esta era a única informação que os cerca de 60 participantes na Secret Run tinham na sua posse. A partir daí, tudo era desconhecido. E terem a informação do ponto de partida já pode ser considerado uma vitória, uma vez que não está ao alcance de todos. "Para entrar nas nossas corridas secretas, é preciso irem à nossa página no Facebook e estarem atentos aos enigmas que vamos lançando sempre que há um evento. Os mais rápidos a responderem corretamente ganham uma vaga e recebem a informação sobre o ponto de partida. Apenas os selecionados sabem."
Bruno Claro é o fundador das Secret Run, evento que já abriu as portas de lugares normalmente fechados à corrida a mais de dois mil atletas, distribuídos pelos 12 eventos já realizados. "Já corremos no Porto, nas Caves do Vinho do Porto, no Centro Comercial Colombo, na Casa da Música, no Palácio do Gelo de Viseu, no Castelo de Leiria. Sempre gostei de correr em sítios diferentes e um dia pensei que seria interessante criar um evento que levasse as pessoas a correr em locais que nunca achariam possível", sublinhou o programador informático à J.
O que é interessante para quem corre pode, no entanto, revelar-se um pesadelo para quem tem as ideias e as quer colocar em prática, pois encontram obstáculos difíceis de ultrapassar em alguns dos responsáveis por locais "candidatos" às corridas.
"Já levámos algumas respostas negativas, infelizmente mais do que as que gostaríamos. Do Jardim Zoológico, por exemplo, do Metro de Lisboa ou do Aeroporto. Também queremos correr num estádio de um dos três grandes, mas não é fácil convencer as pessoas do que queremos fazer. A primeira reação, normalmente, é de pânico perante o que estamos a propor. Mas, depois, quando percebem que é um evento divertido e que vai aproximar as pessoas desses mesmos locais, acedem."
Entre os participantes há alguns habituais, que estão na primeira linha a responder aos enigmas para garantir vaga nos eventos, ainda assim Bruno Claro garante que há sempre pessoas novas. "Sempre que anunciamos uma Secret Run e colocamos o primeiro enigma, existe um boom de pessoas que querem vagas. Depois, há o reverso da medalha: a frustração por não a conseguirem."
Além da vertente desportiva, muitos encontros têm um carácter solidário. "As corridas são gratuitas, mas por vezes convidamos as pessoas a trazerem alguma coisa - normalmente bens alimentares, que depois são doados a uma determinada instituição que estejamos a apoiar."
Pelas colinas de Lisboa até às estrelas do céu
Na Secret Run em que a J teve a possibilidade de participar, o ponto de encontro foi num dos locais mais turísticos de Lisboa, o alto do Parque Eduardo VII, de onde se tem das melhores vistas sobre a capital. Entre turistas - muitos - e transeuntes, ninguém ficou indiferente ao grupo que por ali se juntou, expectante sobre o que iria encontrar.
As especulações eram muitas, mas apenas os membros da organização - há sempre vários guias, para que ninguém fique perdido ou para trás - sabiam o percurso. Feito o primeiro briefing, ressalvando alguns cuidados, foi dada a ordem de partida. A excitação era grande e o ritmo começou alto. Todos queriam chegar, mas não sabiam onde.
O primeiro ponto de referência foi o Centro Comercial das Amoreiras, logo seguido do Largo do Rato, seguindo-se a descida pela Rua de São Bento, entrando depois a corrida numa parte mais complicada, com as subidas íngremes tão características das zonas do Príncipe Real e do Bairro Alto. Pelo meio uma paragem no Miradouro de Santa Catarina, mais um local repleto de turistas e também estes não quiseram deixar de registar o momento em que um grupo de corredores por ali passou.
Entre quem corria, a excitação inicial ia sendo substituída por uma espécie de indignação, pelo trajeto duro escolhido. "Se soubesse que era para isto não tinha vindo", ouvia-se, sempre com muito humor à mistura, mas os guias garantiam que a recompensa estava para breve. Do Jardim de São Pedro de Alcântara desceu-se para o Parque Mayer, Praça da Alegria e finalmente para a Avenida da Liberdade. "A meta está à vista", avisavam, mas as dificuldades não tinham acabado. E as surpresas muito menos.
A meio da subida da avenida, os guias fizeram uma viragem súbita à esquerda e entraram pelos jardins do Hotel Tivoli. Estava ali o caráter único do evento, um espaço cinco estrelas em que provavelmente nem os hóspedes correm. As portas do centro de conferências estavam abertas para os atletas da Secret Run que depois foram direitos à piscina do hotel, tão convidativa para um mergulho. Mas o final da aventura ainda não era ali, havia que entrar no hotel, passar pelo lóbi e encontrar as escadas. E depois... oito andares de treino.
Houve quem subisse os degraus dois a dois, em passo de corrida, e houve quem subisse com mais calma, já com as pernas cansadas de mais de sete quilómetros a correr pelas colinas de Lisboa. No terraço, no Skybar do Hotel Tivoli, acabou o percurso e para todos houve uns belos e simpáticos refrescos à espera. O melhor segredo deste final de tarde ficou finalmente revelado, com o "sunset" da cidade a brindar todos os felizardos. E a J esteve lá.
(ESTA REPORTAGEM FOI PUBLICADA NA REVISTA J DE 18 DE OUTUBRO DE 2015)