PASSE DE LETRA - Um artigo de opinião de Miguel Pedro.
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Por alguma estranha razão, tenho, por vezes, dificuldade de separar o mundo do futebol do resto do mundo, da política, da ciência, do pensamento, etc...Muitas das minhas crónicas fazem ligações que parecem, à primeira vista, estranhas, entre história, computação, filosofia, geopolítica, religião e o futebol. Porque vejo o futebol assim: ligado a tudo. E talvez esteja.
Albert Camus, escritor e filósofo francês, e que foi guarda-redes do Racing de Argel, afirmou que aprendeu no futebol tudo o que sabia sobre a moral humana. Esta visão holística do futebol ( e do desporto em geral) leva a que eu assista a jogos de futebol torcendo por um ou outro clube por razões que não radicam no desporto em si, mas noutra coisa qualquer: na literatura, na política internacional ou na filosofia.
Por exemplo, gosto do Real Madrid por razões literárias. Tive a sorte de ler, há vários anos, a coletânea de textos que o grande escritor e fervoroso adepto madrileno, Javier Marías, escreveu, entre 1992 e 2000, no El País1 e decidi que o Real seria o meu clube em Espanha. E não gosto do PSG, porque é detido por um multi-hiper-milionário que representa um país despótico e ditatorial, o Catar. Fiquei feliz, por isso, com o desfecho da eliminatória da Champions, que ditou o afastamento do déspota e a passagem à fase seguinte do escritor.
Falando do SC Braga, esse é e sempre foi o meu clube do coração, por razões futebolísticas e mais todas as outras juntas. A vitória europeia de quinta-feira foi um hino à solidariedade, à união, à competência assente num esforço coletivo, no qual incluo, claro, os adeptos, que foram igualmente heroicos. As grandes noites europeias são assim: mágicas, perfeitas. Num jogo em que é impossível, para mim, destacar qualquer jogador bracarense, pois todos foram absolutamente "destacados" pela sua performance, fica a ideia de um jogo no qual se deu uma harmonia perfeita entre a irreverência e energia da juventude, com o calculismo e matreirice da experiência. Isso confundiu os monegascos, jogadores de calibre excecional ( e profissionais leais), mas que foram surpreendidos com os ingredientes que a equipa do Braga levou para o jogo, numa primeira parte cinematográfica, que nos prendeu totalmente, com oportunidades, velocidade, grandes defesas e grandes jogadas. Enfim, um deleite para qualquer adepto. Vencemos bem e com justiça e, ainda ( e agora vem a ligação à geopolítica), com algum simbolismo, pois não me consigo alhear da circunstância de o CEO do Mónaco ser Oleg Petrov, um oligarca russo, destes de que se fala nos últimos dias. Carvalhal, no final, estava eufórico, com uma alegria que parecia não caber em si.
Falou da sua infância e dos seus primeiros tempos para frisar ser, para ele, um privilégio estar na posição de treinar o seu clube de sempre, percebendo a importância destas noites de celebração da comunidade bracarense. Pois para ele, como para mim e para tantos outros, como o escritor Javier Marías escreveu, " o futebol é a recuperação semanal da infância."