VISTO DO SOFÁ - Opinião de Álvaro Magalhães
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No último dia do ano passado, foi inaugurada uma estátua de Sérgio Conceição no museu do clube. Aparentemente, tratou-se de um gesto intempestivo. Ele ainda é presente, incerta vida, e também já é memória de pedra (ou gesso, ou o que for)?
Como ele foi capaz de minimizar e encobrir os prejuízos desportivos resultantes da má gestão financeira, não admira que os responsáveis por essa gestão tenham ido a correr comprar o gesso para a estátua. Entenderam que não era preciso esperar pelo julgamento da posteridade, pois ele já fora suficientemente influente e precioso para merecer uma estátua. Será assim?
Se sim, não é tanto pelo que conquistou, é mais pelo contexto em que o fez, de quase agonia financeira, o que baixou drasticamente a qualidade do plantel.
Com poucos recursos, ele fez muito, como aquelas mães das famílias pobres que cozinham pratos divinais com restos de refeições. Para o conseguir, teve de reanimar essa misteriosa entidade a que chamam mística, uma coisa do passado, que se perdera nos caminhos ínvios do progresso. E assiste-se agora à plena restauração desse sentimento (a mística é um sentimento, por isso é tão difícil de descrever) com a chegada à equipa de vários jogadores da formação. Diogo Costa, João Mário, Vitinha e Fábio Vieira na equipa principal é um milagre só possível num cenário de escassez financeira.
E, no entanto, são melhores do que os jogadores medianos que teriam sido comprados se houvesse dinheiro, nem que fosse para gerar muitas comissões. Foi o que aconteceu ao Benfica, que tem vivido numa fartura perdulária, que roça a ostentação e o desperdício dos novos ricos.
E, já que falamos no Benfica, é impossível ignorar que, enquanto Conceição era glorificado pelo clube, havia benfiquistas que também pediam uma estátua, não para Jorge Jesus, mas para Pizzi, que terá iniciado a revolta que levou à demissão do seu treinador. O que - dizem alguns - fazia parte de um plano mais vasto que visava levar Jesus ao limite. Pode ser, mas o que realmente o empurrou mais cedo para a intempérie foi ter perdido de um modo natural e humilhante com os dois grandes rivais. Se a equipa tivesse ganho esses jogos, ninguém queria saber do assédio do Flamengo, do erro que era jogar com três centrais, das queixas dos jogadores maltratados ou do jogo subterrâneo de Rui Pedro Braz, essa criatura imprecisa que já foi um espião de Luís Filipe Vieira infiltrado nos programas televisivos que se dizem imparciais e agora é o intriguista da corte.
Conceição e Jesus, dois treinadores que se apresentaram de modo igualmente arrogante (um disse que vinha para ensinar, não para aprender, o outro disse que vinha para jogar o triplo e arrasar), mas que acabaram por ter destinos opostos: uma estátua para Conceição, uma coroa de espinhos (e também um pontapé no rabo) para Jesus.
O futebol, que é uma representação estilizada, artística, da vida, não cessa de erguer histórias destas, é o maior contador de histórias de sempre. E nós, sentados à sua volta, como meninos, escutando-as todas, muito atentamente.