PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Darwin sempre teve vontade de ser diferente. Desde que chegou. E está cada vez mais distinto, no que é e faz no jogo. Forte, inteligente, decidido. Entrou na última secção da evolução que o investimento feito nele previa desde o início, ser mais de deflagração futura do que efeito imediato.
A Liga dos Campeões, o local onde se fala a verdade máxima e absoluta no futebol está a confirmá-lo. Contra o Ajax, agora contra o Liverpool, fê-lo levantando uma equipa plantada de início naturalmente no mais baixo dos blocos e depois impulsionando-a para a busca do impossível (ferir o gigante adversário).
Bastou este espreguiçar-se um pouco no início da segunda parte para (após o golo "darwinesco" e o lance em que tentou furar Van Dijk) ser obrigado a acordar outra vez. Mais do que a tática, os jogadores ainda têm alguma coisa a dizer para tornar o jogo no contrário do que ele naturalmente seria.
2 - O Liverpool é uma grande equipa porque (além do "gegenpressing" ou de filosofias de jogo superiores) tem jogadores inteligentes que sabem complementar os seus respetivos talentos. Penso, claro, sobretudo nos avançados (os que jogaram de início, Mané, Luis Díaz e Salah e os que entraram, Firmino e Jota). No meio-campo, gente sábia a tirar o pulso ao jogo. Assim, cavam fossos para equipas que "filhas dum Deus competitivo menor" tentam as perturbar.
Quando vejo a posição híbrida que Gonçalo Ramos hoje ocupa no sistema do Benfica, um segundo ponta-de-lança para fazer "crescer a intensidade" de luta pela bola num espaço onde podia antes jogar um jogador que "só" quisesse ter a bola para a passar em condições (em vez de correr sempre em esforço por locais por vezes inóspitos) fica claro o momento do futebol do Benfica: não existe intenção de cativar ninguém pelo talento (a equipa, entenda-se relação entre jogadores, não existe nesse sentido coletivo) e sempre foi mais fácil (por apelar aos instintos mais primários) conquistar através da demonstração de esforço os aplausos da bancada e compreensão da critica. Assim foi (é).
3 - Mas, diga-se, por vezes a equipa até corre bem (como um jogador sozinho luta contra uma equipa inteira superior). Outra vez a imagem de Darwin. Vai custar, porém, alguma vez os jogadores das equipas portuguesas alcançarem a qualidade atlética das inglesas ou alemãs. Não é por ai, portanto, que alguma vez os poderemos enganar (e surpreender).
Sempre que as equipas portuguesas se tornaram grandes no contexto europeu foi por conseguirem ser superiores na estratégia enganadora/esperta e tecnicista ao que as outras equipas metiam no lado atlético e correr. O problema é que hoje elas já não são (nem nunca verdadeiramente foram) só isso. São mais inteligentes também. Perder aqui (na leitura do jogo) é que não era comum.
Um elefante bailarino na história
Guardiola falou da pré-história para dizer como, em qualquer tempo, será sempre difícil vencer quem sabe defender-se tão bem (planeando o jogo para isso) como faz o At. Madrid de Simeone (que esperava, disse, num 5x3x2 e surgiu em Manchester num 5x5). O facto é que nem o futebol começou (recuemos ao paleolítico tático) assim, nem este "barco pirata" de Simeone é só isso. Joga com estas bases desde há já várias épocas e todos (moralmente superiores na forma de jogar) já perderam com ele. Não sei se isto dirá mais do mundo em que vivemos do que meramente do estado do futebol atual.
A verdade é que, neste contexto pré-histórico ou presente, essas dificuldades foram furadas quando entrou um jogador que perceberia melhor como mover-se por entre esse mundo de marcações e jaulas. Foden mudou o jogo em alguns dos seus metros quadrados. E assim, o City, que marcara 60 golos nos seus últimos 20 jogos em casa, goleou... por 1-0.
Na chuva de Londres, outra vez Benzema. O nº 9 que é um elefante com pés de bailarino voltou a marcar três golos. Todos diferentes no estilo, todos iguais no instinto. Os anos passam por ele e o seu futebol refina-se cada vez mais a cada movimento. Haverá pinturas rupestres parecidas com ele.