PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Falar de tática não é analisar sistemas como números de telefone ou contar defesas, médios e avançados.
É perceber os princípios de jogo inerentes a cada interpretação que se faz de qualquer sistema. Duas equipas a jogar em 3x4x3 (ou 4x3x3, 4x4x2, etc.) podem jogar de forma totalmente diferente em função do modelo de jogo e princípios em que se insere.
Por isso, falar da opção tática de Martínez só pelo desenho no papel, frente a um adversário que só existiu para defender junto à sua área, confunde um debate que pode ser rico sobre o jogo e diferentes formas como o podemos abordar.
Acho bem Martínez querer novas ideias de jogo (sistema e princípios) para a nossa Seleção, que podem acrescentar aos que já temos mais enraizados. Outra coisa é mudar referências, comportamentos e o aproveitamento de tantos talentos criativos que temos nesta fase.
O 3x4x3 tanto pode ser uma forma de os potenciar como pode ser uma forma de os cercear. Neste jogo com o Liechtenstein foi uma forma de os limitar. Na ideia coletiva e, individualmente, na utilização (ou melhor, não utilização) de jogadores dessa tipologia-talento.
2 Era um jogo de ataque continuado sem adversário em termos ofensivos. Não vejo vantagem em jogar com três centrais, mas pode ser interessante jogar só com três defesas. É muito diferente e distingue-se, por exemplo, por meter um lateral de raiz nesse trio para sair por dentro em condução. Cancelo, como outro lateral dos que tínhamos, faria esse papel na perfeição.
Agora, ver Danilo, trinco de pressão-recuperação, a fazer esse papel de saída ao conduzir pela direita do trio de centrais, quase até ao meio-campo, é um contrassenso. Ainda para mais com um nº6 fixo como Palhinha à frente. Poderia (deveria) ser um lateral inserido a fazê-lo. E na faixa podia até jogar projetado um ala/avançado a fazer todo o corredor. Nem seria nenhuma revolução tática. Apenas uma (boa) opção já vista noutros quadrantes. Desta forma, o sistema já não seria tão restritivo de utilizar muitos dos nossos jogadores de características criativas-ofensivas, mas sim mais inclusivo para eles.
3 A questão deste sistema também deve, no entanto, ser colocada para defrontar adversários de outro tipo, os mais fortes. Nessa altura, os princípios de jogo (sobretudo pela exigência superior no momento defensivo) terão de ser muito diferentes. E a opção dos intérpretes seguirá uma lógica diferente (sem perder identidade, usando nuances estratégicas).
Seja como for, não vejo este sistema como o melhor para a nossa Seleção (sem tempo para treinar), já enraizada nos triângulos do 4x3x3, 4x2x3x1 ou 4x4x2 (a "linha de 4" é a que mais nos favorece, jogo e jogadores disponíveis). Veremos a evolução do curso do pensamento de Martínez. Falar (só) de futebol é bom.
São precisos jogos a sério
Sobre esta questão tática, Martínez foi ao encontro do debate que lanço no texto ao lado ao dizer que os jogadores (grupo em campo) devem mover-se por conceitos. Relacionado com isso falou como Danilo teve de ser médio muitas vezes. É nesse ponto que considero que o encontro entre a ideia de jogo e a tipologia dos jogadores falhou conceptualmente na aplicação deste sistema num jogo destes. Noutro, com outro tipo de adversário, poderia ser o mais indicado. Porque os conceitos do confronto também mudam.
Ser forte nas transições sem bola é o maior desafio para os grandes jogos que decidem verdadeiramente títulos. Martínez falou desse momento pelo que a qualidade da equipa tem de ter flexibilidade para entender cada circunstância de jogo - ofensivamente, como seria neste com Liechtenstein, onde não teve; e defensivamente, as que falta testar mais e que estes jogos de apuramento tão desnivelados podem confundir a melhor abordagem. De uma coisa, porém, não podemos prescindir, como sucedeu neste jogo: é do enorme talento que temos (maior do que muitas das seleções mais fortes). Isso não é, por princípio, problema do sistema mas sim de como ele é utlizado, seja qual for. O jogo com o Luxemburgo, mesmo sem engordar o valor deste adversário, já será taticamente alguns degraus acima.