VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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Tem corrido por aí um rio de lágrimas benfiquistas, depois de duas derrotas demolidoras em casa e de uma terceira, em Chaves, que pôs ao rubro um campeonato que já se julgava decidido.
No caso do FC Porto, os benfiquistas encontraram consolo nos sete pontos de vantagem que restaram, embora desses sete já só restem quatro.
No caso do Inter, porém, não houve consolo, só a dor imensa de ver soterrado o sonho de jogar a final da Champions. Afinal, a equipa não era assim tão boa, a ideia de jogo também não, e Schmidt já não era o novo Eriksson, talvez fosse apenas o novo Lage. Os especialistas do óbvio, que vivem debruçados nos nossos televisores, foram chamados a fazer o diagnóstico da crise e disseram que era uma quebra física, que a culpa foi da paragem, da falta de ductilidade táctica do treinador, etc. Houve até quem culpasse o Estoril Open. Eu culpava o futebol, se me perguntassem. Não estamos sempre a ver isto?
Ainda assim, é verdade que o Benfica está a fazer uma boa época. O clube sai lentamente de uma crisálida de obscurantismo e más práticas, própria da era de Luís Filipe Vieira, e está a transformar-se em algo mais limpo, mas também desportivamente mais bem gerido. Vieira pertencia a uma estirpe muito comum de dirigentes do passado, os chico-espertos dos negócios. Era «um homem que via mais a dormir do que nós acordados», como disse Jorge Jesus ao próprio Vieira, numa mensagem, que aparece transcrita num dos processos em curso. E grande parte desse saber, aliás, vem aí descrito. É verdade que Vieira serviu o clube, mas enquanto se servia dele. E vale a pena falar do poder inerente ao cargo? Ele era um dinossauro, sim, do tempo de um outro futebol, em que se jogava muito por fora, mas era um dinossauro excelentíssimo.
Juízes faziam-lhe favores, a banca reestruturava as suas dívidas, os políticos integravam a sua Comissão de Honra e os milhões de adeptos respaldavam-no. Quem largaria, de livre vontade, um lugar destes? E quem não se revoltaria por ver outro no lugar que julgava pertencer-lhe (20 anos de poder criam dessas ilusões). Foi o caso de Vieira, que, ferido pela dor da deposição, criticou Rui Costa (não tinha carisma, não ligava à formação, escolhera mal o treinador, etc). E como, afinal, houve vida para o Benfica depois dele, já diz que, se a equipa ganhar o campeonato, vai ao Marquês festejar, pois ainda há muito dele neste Benfica.
Será assim? Há, de facto, uma nova aura de modernidade e limpeza no clube, mas o lastro do passado continua lá; e pesa, pesa. Domingos Soares de Oliveira, que acaba de ser acusado de vários crimes de burla e falsificação de documentos, mas continua em funções, é a melhor prova disso. Rui Costa ainda não conseguiu dizer-nos «isto é uma nova era», ainda não foi capaz de cavar essa separação, talvez por lhe custar condenar algo de que fez parte. Às vezes, lá sacode, com a pontinha dos dedos, alguma sujidade do vieirismo, enquanto lhe chama «ruído externo». Mas terá de ir muito mais longe, pois a sua afirmação como presidente da renovação e da modernidade depende disso.