A JOGAR FORA - Um artigo de opinião de Jaime Cancella de Abreu.
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Não fosse Rui Vitória e a minha apreensão relativamente ao grau de dificuldade da 3.ª eliminatória de acesso à fase de grupos da Liga dos Campeões, a disputar, dentro de pouco mais de uma semana, entre o Benfica e o Spartak de Moscovo, limitar-se-ia - e já não seria coisa pouca, reconheça-se - aos receios próprios de quem acompanha o futebol há mais de cinquenta anos e o sabe cheio de surpresas, de certezas absolutas desfeitas em 90 minutos, de resultados injustos e eliminações inglórias.
O Benfica tem, neste momento, o pior ranking UEFA dos últimos anos (é o 24.º), mas está, não obstante, e vejam só, sessenta e cinco posições acima da equipa da capital da Rússia (que é apenas a 89.ª).
Se olharmos ao valor dos plantéis, diz-nos à data de hoje o Transfermarkt que o nosso vale €306 milhões e o do Spartak de Moscovo menos de metade, isto é, €146 milhões. Razões mais do que suficientes para o Benfica poder ser considerado favorito.
Acontece, porém, que a presença de Vitória no banco moscovita pode esbater quase por completo estas (aparentes) discrepâncias. Conhecendo muito melhor o futebol português e, particularmente, o Benfica, do que Jorge Jesus conhece o Spartak de Moscovo, tem nisso uma vantagem que se pode vir a revelar decisiva. Qual de nós conseguiu esquecer já o pesadelo que deu há pouco menos de um ano pelo nome de PAOK? Tinha menos ranking e um plantel menos valioso, mas era dirigido, lá está, por um português, Abel Ferreira, que demonstrou, naquela eliminatória de ingrato jogo único, ter a sua equipa muitíssimo mais bem preparada para defrontar o Benfica do que o inverso.
Concordo que o facto de esta época o acesso ao play-off se disputar a duas mãos, para mais sendo a primeira jogada na casa do adversário, concederá a Jorge Jesus oportunidades para recuperar de erros táticos ou de avaliação como os que presenciámos através da televisão em Salónica. Acresce que a má experiência frente ao PAOK deverá ter deixado o nosso treinador de sobreaviso, com cuidados reforçados - e isso é bom, muito bom, para o Benfica.
Contudo, é preciso não esquecer ainda uma outra questão, a emocional, que tem tudo para jogar a favor de Rui Vitória. As guerras verbais espoletadas em 2015/16 pelo ego ferido de Jorge Jesus - vamos lembrar que foram o maior fator de união da família benfiquista (dirigentes, treinador, jogadores e adeptos) em torno de um objetivo atingido à custa de uma transcendência coletiva difícil de atingir sem a existência de um inimigo externo suficientemente mobilizador - vão agora, e uma vez mais, contra o atual treinador do Benfica. Vá que Rui Vitória não saiu do clube em alta - se existisse em relação a ele um sentimento de orfandade, o reencontro seria muito mais doloroso para os adeptos, isso é mais do certo, todavia também para a equipa.
Vamos então cuidar de reconhecer que uma eliminatória de importância, mas não de dificuldade, transcendental, se transformou, pela simples presença de Rui Vitória no banco adversário, numa disputa de favoritismo muito mais esbatido. Deixem-me até confessar: quando olhei para o quadro de possíveis adversários do Benfica e descortinei nele a equipa orientada por Rui Vitória, desejei de mim para mim: todas menos esta! Mas, claro, era fatal como o destino, tinha de ser o Spartak de Moscovo a sair-nos em sorte. Resta-nos demonstrar por que estamos sessenta e cinco lugares acima deles no ranking, fazendo acertado uso de um plantel com o dobro do valor, logo com mais e melhores soluções.
PS - Pertenço ao alargado grupo de benfiquistas que não gostou de ler - ver nem pensar! - que Pinto da Costa foi autorizado a filmar no Estádio da Luz para uma série produzida pelo Porto Canal. O mesmo canal que, pertença do clube a que Pinto da Costa preside, não perde uma oportunidade para, sem dó nem piedade, desancar o Benfica. Pior era difícil: foi o último tiro no pé dado por Luís Filipe Vieira.