PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Lembro-me de convocatórias polémicas. Vendo hoje como se elogia Diogo Costa como um predestinado da baliza, é irónico recordar como o modelo que atesta essa vocação, Vítor Baía, foi, a certo ponto, considerado "guarda-redes non grato" na seleção por razões enigmáticas.
Hoje vivemos novos tempos, não existem "casos mistério" mas ouvir um selecionador dizer que se o jogador que há dias não queria mais ir à seleção lhe telefonasse agora para falar ele só perguntava onde e a que horas.
É, no mínimo, surreal. Tão surreal como ver um talento como Rafa afastar-se da Seleção (onde, é verdade, pouco jogava) mas que atravessa um momento de forma voador (num altura em que se lesionou outra chave voadora do nosso ataque, Jota, e, noutro patamar, Pedro Neto).
2 Encerrado este caso e com uma lista que aumentou três jogadores (de 23 a 26), a margem para polémica era como a do buraco duma agulha. O meteoro de serenidade que tem sido o futebol de António Silva tornou-o, em dois meses, como indiscutível para central de Seleção. O seu crescimento foi proporcional à queda (após começar a época em grande) de David Carmo, sobretudo com a (sobre)exposição dos erros deste (até pelo seu treinador). Ou seja, enquanto Carmo passou a cair ao ser criticado, António Silva cresceu em cima de elogios (até nas posições do seu treinador).
3 A ausência que mais me perturbou foi a de Moutinho. Tendo em conta que Danilo já é central, dos médios um que faz a posição nº6 como especialista (Rúben Neves) outros que podem ser nº8 (William, Vitinha, Matheus Nunes, todos para "queimar linhas") e o mais híbrido que até pode jogar como falso-ala por dentro (João Mário), mas causa-me apreensão ver ficar fora o melhor médio a pressionar (e a sair da pressão) em espaços curtos de intensidade permanente que é Moutinho.
O criativo que quero ver é Bernardo Silva (com os adversários a correr atrás dele e não a criticarem-no para ser ele a correr atrás dum qualquer lateral adversário).
Não ter Gonçalo Guedes para preferir as diagonais de Ricardo Horta visa a mobilidade do nosso ataque, que aposta na velocidade de Rafael Leão num onze que não prevê um modelo com extremos, pelo que o 4x3x3 pode, em certos jogos/momentos, abrir caminho ao 4x4x2 ou à criação de uma dupla de ataque junto de Ronaldo (que pode ser João Félix, nas costas, ou, ao lado André Silva).
Não seremos uma Seleção de um só sistema mas fica evidente que seremos um onze para ser controlado pelas diferentes características de tantos médios. Queremos a bola. Depois veremos como fazer para chegar com ela à área e baliza adversária.
Quando ninguém chama por ti
Abundam as "stories" dos momentos de alegria em que os jogadores esperam, com a família toda junta, mulher, filhos, avó, primos, amigos, até o cachorro (saiu assim ao pensar em cão porque a maioria destes vídeos que vi foram brasileiros). Não vi nenhuma em que o sentimento é diferente porque o nome não se ouviu. Eu sei. Esse vídeo não faria parte do mundo de ilusões que nos querem vender, mas, acreditem, são hoje a maioria e o mais real do estado natural do ser humano aqui futebolista.
Não vou levar esta reflexão para nenhuma casa portuguesa ontem à tarde que esperou e, no fim, não ouviu ninguém chamar por si. Pensei nisso vendo o olhar perdido no vazio do Firmino, no banco do Liverpool num jogo insípido contra o Derby County para a Taça da Liga inglesa. Há pouco tempo, ele era um nº9 que reinventara uma posição. Agora, o Tite chamou nove (!) avançados e ele não foi. Imagino a sua cabeça naqueles 90 minutos. Perto do fim, entrou e falhou um penálti chutando "chapliniscamente" por cima e ao lado, ficou a olhar em preces para o céu. Há algo de irónico nisto. O Catar fica longe. A realidade perto. Este Mundial está cheio de histórias tristes. E o pior é que as maiores nem são estas de jogadores que não ouvem o seu nome.