VISTO DO SOFÁ - Um artigo de opinião de Álvaro Magalhães.
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Ronaldo perdeu-se, até de si mesmo, na fase crepuscular da sua carreira. Ainda com dois anos de contrato com o Manchester United, forçou a saída para jogar na Champions, e num clube que a pudesse vencer.
No Sporting não, obrigado. E também por considerar que este Manchester tem um plantel fraco, que não está à sua altura.
Havendo um sério laço afectivo entre ele e o clube, onde se fez grande, esta obstinada tentativa de fuga seria sempre mal vista por todos, excepto pelas suas duas irmãs, Kátia e Elma, mas também acabou por se revelar um mau passo.
Jorge Mendes ofereceu-o a todos os clubes europeus de topo. Foi uma espécie de «Quem quer casar com a Carochinha?» «Eu não», disseram, um a um, todos esses clubes. E alguns até se deram ao trabalho de explicar porquê. Houve mesmo casos de revolta antecipada dos adeptos, como foi o caso do Atlético de Madrid. Só o Operário de Lisboa, que já cortejara o argentino Messi, fez de João Ratão e abriu os braços para receber o craque.
Ora, esta rejeição geral não deixa de nos espantar, pois Ronaldo ganhou cinco Bolas de Ouro, bateu mil recordes e marcou 815 golos, tendo a média de 0,73 golos por jogo nos últimos 20 anos. A explicação está na sua idade (37 anos) e respectiva decadência? Nem tanto, apenas acontece que a sua condição de jogador «real» lesa o princípio da igualdade, que é o primeiro atributo de qualquer grupo. Um líder, sim, faz falta, por vezes, mas quem precisa de um rei, que é como Ronaldo se intitula e se comporta? Quem quer trocar a república democrática que é um grupo a sério por uma monarquia, onde há um soberano e um séquito de súbditos, o que, ainda por cima, custaria uma fortuna?
Foi esta dura realidade que «condenou» Ronaldo ao Manchester, o que não o impediu de repisar a sua condição real: «Domingo o rei joga», publicou no Twitter. A frase acompanhava uma imagem onde o rei não estava nu, como o da história exemplar, mas em cuecas (marca CR7, evidentemente). E o rei lá jogou, no domingo, mas seria substituído e assobiado por uma boa parte dos adeptos, tendo abandonado o estádio antes do fim do jogo, o que também foi classificado de «inaceitável» pelo treinador. Ficou claro que até o seu reinado em Inglaterra, terra de monarcas, estava comprometido. No dia seguinte, podia ler-se «Siuuuu later» na capa do Star Sport, uma criativa saudação de despedida, equivalente ao nosso prosaico «Podes ir andando» .
Foi nesta altura que o argumento da telenovela sofreu uma reviravolta e Ronaldo, de real rabinho entre as pernas, desceu do pedestal e misturou-se com a plebe nos treinos, interpretando o difícil papel de «um como os outros». Fez bem. Ele foi um grande jogador, ainda é um bom jogador, mas está na altura de começar a aprender mais sobre a condição de comum mortal, que o espera, não muito longe. Depois de ter comprado tantos Rolls-Royce, iates, mansões, se quiser continuar a ser grande terá de adoptar aquilo que o dinheiro não compra: humildade e simplicidade. Como disse Mahatma Gandhi, o dinheiro faz as pessoas ricas, mas só a humildade faz as pessoas grandes.