PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Não tenho nenhuma tese para a quantidade de cartões que se mostram nos jogos em Portugal.
Neste caso, a realidade é, por si própria, um documento bem detalhado. Em nenhum outro lugar da Europa se reclama tanto - todos, desde jogadores às multidões que se estendem pelos bancos, o principal e o de apoio, ao contrário de outros países onde não vejo neles tantos responsáveis engravatados sem cariz técnico (às vezes mesmo nenhum, veem algum em Inglaterra?).
A cultura da falta que se arranca fácil é algo difícil de desenraizar tal a forma como o árbitro quase mecanicamente a marca (para se proteger) e o jogador a cava (porque sabe que o árbitro a marca).
O contacto não é visto na maior parte das vezes como natural. Os intervenientes no jogo ou estão condicionados ou estão dispostos a condicionar. Mostrar um cartão tornou-se uma banalidade e marcar faltas uma proteção sem entendimento do que é mais importante perceber que as regras: é perceber o jogo (e o que são os movimentos naturais ou forçados dos jogadores).
Tudo isto junto leva a este estado "amarelado faltoso" das coisas. Ninguém entra de consciência livre. Tudo é condicionado. E todos agem (com receio ou com espaço de manobra) em função disso. É uma discussão estéril em que não me interessa entrar. Não vai mudar. Porque a realidade e as pessoas (diferentes condicionalismos) também não.
2 Estamos na reta final do campeonato e, para reativar a luta pelo título, os adversários do Benfica esperam "resultados improváveis". FC Porto, sobretudo, claro. O confronto direto daqui a duas jornadas está neste momento apenas colocado no plano do orgulho para os portistas e no plano da definitiva sentença para os benfiquistas. Veremos. Até lá, o Rio Ave vai receber o Benfica com apenas uma bancada (após a erosão da outra).
A maioria das equipas do nosso campeonato fora da elite dos grandes pode não ter um grande nível de jogo (longe disso) mas ainda se encontra em quase todas elas o tal jogador especial que esperamos ter a bola para logo o jogo melhorar (ou aquela jogada em que ele vai intervir). Guga é esse jogador neste Rio Ave com uma bancada ou muitas nos jogos fora.
3 A qualidade de fascínio de jogo deste tipo de jogadores (como David Simão, Guzzo, Iván Jaime, Seba Pérez, João Teixeira, Tiago Gouveia, Fujimoto, outros seres especiais) não pode ser medida nem calculada. Ela está nas opções que tomam em campo e na execução técnica com que as decoram.
Este é um exercício que, confesso, faço bastante (desde sempre mas cada vez mais) vendo muitos jogos do nosso campeonato (os tais das faltas, cartões, interrupções, casos, etc.): deixar de quase ver as equipas (que os treinadores organizam bem mas os tais condicionalismo desvirtuam) para seguir os jogadores. Esses especiais. Sem me aperceber, os 90 minutos passam mais depressa.
Sigam o fácil e o complexo
Inteligência de jogo é a arte de tornar simples o que é complexo. A qualidade dum jogador vai, portanto, além da técnica e da habilidade. Meto a criatividade no meio porque a defino como a capacidade de responder ao mesmo problema (pergunta) de várias formas diferentes e todas elas certas e desarmantes para o perguntador (adversário).
O futebol, felizmente, deu-nos muitos exemplos para podermos seguir a pista desta teoria que só se explica na prática. Mesmo agora, em que se robotiza (monitorização GPS) o jogador até o decompor em metros e corridas.
No texto ao lado quando quis falar do "jogador especial" falei dos médios mas foi por instinto. Sem pensar, fui ter com eles e não com avançados que inventam no um-para-um ou defesas que anteveem o passe e se antecipam aos mais perigosos adversários. A razão é porque ao contrário destes, os médios são os únicos que, por princípio, jogam sem olhar para a bola. Eles precisam de ter a visão de estar de frente para o jogo.
Ou seja, eles estão a pisar o mesmo relvado (à flor da relva) mas têm de ver o jogo como se o estivessem a ver desde abancada. O nosso campeonato tem jogadores destes. Mesmo submersos por outros que nem entendem o que eles fazem ou pensam. É como na vida, afinal.