FOLHA SECA - Opinião de Carlos Tê
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Na terça-feira, no jogo contra Atlético de Madrid, ocorreu-me um musical de La Féria sobre a retirada duma antiga cantora no auge da fama - What Happened to Madalena Iglésias? Lembrei-me disso a propósito de Rúben Semedo, no polo oposto, longe da fama, pelo jeito que daria no banco. Em termos defensivos, num desafio de Champions, o Porto tinha dois guarda-redes na ficha de jogo, três laterais, e nenhum central. Se houvesse um azar, e sem Uribe para recuar até ao eixo, restaria o improviso. Daí a pergunta: o que aconteceu a Rúben Semedo?
Consta que a SAD não satisfez ao treinador o pedido dum quinto central. Agora reza-se para que Fábio Cardoso e David Carmo não tenham castigos nem mazelas
Ao apostar num jogador com perfil problemático, o Porto deu um passo de risco mas audaz, confiando na recuperação das suas qualidades. Muitos apontavam Rúben como o par ideal, no Catar, de outro Rúben, o Dias, alternando com Pepe. A longa saga negocial com o Olympiacos, que precedeu a sua vinda em Janeiro, aumentou as expectativas junto dos adeptos chegando a dividi-los. Confesso que fui dos que aplaudiu a ideia, torcendo para que um balneário liderado por Conceição funcionasse como casulo regenerador que o ajudasse a quebrar o enguiço decisivo.
Não aconteceu assim. O futebol é poderoso mas tem os seus limites. Rúben foi-se ambientando na equipa B e fez uns parcos quarenta e cinco minutos na Liga Europa, contra o Lyon, precisamente rendendo Pepe. Depois, no fim da época, acompanhou Mbemba à porta de saída há muito anunciada, até se perceber que David Carmo seria a única compensação para o duplo desfalque na defesa. Talvez o seu salário fosse demasiado alto para o retorno desportivo obtido; ou talvez tenha sido dado como prescindível por falta de sintonia com o grupo. Como saber? Sobre ele paira uma força gravitacional que puxa alguns jogadores para o lado errado do futebol, como mostrou em Valência e no Pireu. A adolescência, vivida num bairro da Amadora, não difere de outras histórias de afrodescendentes na periferia de Lisboa que parecem seguir um guião inamovível.
Para Rúben, o Porto foi a última chance de ascender ao patamar que se lhe augurava. Para o clube, foi a possibilidade de encarar com cinco centrais uma época anómala por força dum Mundial atípico, tanto em lugar como em calendário, sobretudo tendo em conta que Pepe e Marcano perfazem setenta e quatro anos, e jogar de três em três dias de Agosto a Novembro implicaria sujeitá-los ao desgaste inevitável da idade, como sucedeu. Consta que a SAD não satisfez ao treinador o pedido dum quinto central, como era aconselhável. Agora reza-se para que Fábio Cardoso e David Carmo não tenham castigos nem mazelas, porque Marcano oscila quando está apto, e Carmo demora um pouco mais a soltar-se do peso da sua transferência.
Quanto a Rúben, a formação no Sporting proporcionou-lhe um ofício de privilégio mas que exige tino. Aos vinte e oito anos, não esteve perto do auge da fama, mas pelos menos do sopé. Em Junho, festejou campeonato e Taça e rumou, sem ruído, a um obscuro clube do Catar, onde continua a passar ao lado do futuro incumprido. Uma pena, Rúben. What happened?