As teorias avolumam-se: Mora está amuado, Mora está a ser castigado por ordens de cima, Mora não se empenha nos treinos...
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Rodrigo Mora tem vindo a protagonizar uma intriga digna do Inspector Poirot: o caso da titularidade roubada. Os ingredientes pipocam nos inevitavéis fóruns da bola, carburando em contraponto à tragédia dos fogos que as televisões têm mostrando sem descanso. Estes fóruns lembram acidentes na estrada: a gente fica a assistir por morbidez pura. Acima de Mora, só a novela turca de Akturkoglu, que não ata nem desata. Para desenjoar, vem o Mora. Porque é que o Mora não joga? A sua ausência é um atentado ao futebol, afinal de contas é o nosso Maradona, quem é Farioli para o roubar aos nossos relvados?
As teorias avolumam-se: Mora está amuado, vê-se sua cara no banco. Mora está a ser castigado por ordens de cima devido ao facto de ter recusado (os pais e o Jorge Mendes) uma cláusula de cem milhões, impondo uma de 70. Porque neste Porto, agora que Villas-Boas serenou a nau financeira, acabaram as baldas.
Toda a gente parece estar na posse de dados para deslindar o mistério. Alguns juram que Mora não se empenha nos treinos porque não lhe deram a mítica camisola dez, à qual julgava ter direito depois do que fez na segunda metade da época anterior, durante o infausto consulado do argentino Martín Anselmi. Porque foi Mora que puxou a carroça, sozinho contra o mundo, com golos de levantar estádios, embora nenhum ao Benfica ou ao Sporting ou ao Braga. A equipa estava tão amorfa que só um adolescente poderia inventar, do fundo da sua rebeldia juvenil, golos que valeram pontos cruciais. Por isso o novo treinador tem a obrigação moral – dizem outros – de construir a equipa à volta de Mora em vez de uma equipa onde Mora caiba às vezes, como os outros, e não por reconhecimento de serviços.
Vai longe o tempo em que um treinador podia montar a equipa em função do plantel disponível e das suas ideias, e não em função de individualidades. Porque não discutir o renascimento de Pêpê, qual Fénix? Será mérito do treinador e da equipa técnica? Será mérito de Pêpê, que foi fazer meditação ao pantanal e voltou com o astral lavado? Porque não discutir o caso Froholdt? Esse sim, com muito que contar pelo achado que é, e pelo modo de jogar no campo todo, recuperando bolas como se não houvesse amanhã, apenas com dezanove anos. Porque não discutir o nervosismo de Diogo Costa em Barcelos na semana em que o Galatasaray ofereceu por ele vinte milhões?
Como adeptos, podemos e devemos discutir tudo (por exemplo se Borja Sainz é um jogador para ter lugar neste onze inicial, tal a sua aparente banalidade, ou se custava muito dar a camisola dez a Mora), mas é insano pôr em causa os planos do treinador, sobretudo quando ganha da forma que se tem visto.
Há de haver tempo para torcer o nariz a uma derrota contra um rival forte, ou fraco, e aí saberemos como Farioli reagirá à adversidade, que está sempre garantida. Até lá, ajudemos Mora a não ser uma estrela precoce, para que desça à terra e levante voo com mais força e arte. Se o dinheiro impuser a sua lei e ele for para as Arábias, será apenas o mercado a funcionar.