FOLHA SECA - Um artigo de opinião de Carlos Tê.
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Portugal deve ser o único lugar do mundo onde chamam mister ao treinador - e exporta agora o termo para o Brasil, que usa professor.
Mister é mestre numa arte, um estatuto que se adquire com a idade e a sabedoria, mas o treinador é mister a partir do momento em que se senta no banco. Será vestígio da implantação do futebol por cá, a cargo de britânicos?
Mister significa senhor em inglês e pode traduzir o nosso incurável amor pela autoridade, mas nesse caso remete mais para capataz do que para treinador, a quem também tratam por técnico, um termo que lembra manutenção e reparação de maquinarias. Talvez lhe devessem chamar mago, por ser primo em terceiro grau do mágico de feira: ambos tiram coelhos da cartola até o truque ficar gasto. Ao mágico deposto sucede-se outro, que vem refrescar o espectáculo com outra cartola e os mesmos coelhos.
No futebol, a magia implica conhecimento e intuição numa fórmula que ninguém detém ao certo. O jogo aspira à ciência, daí as metodologias e as estatísticas. É fundamental saber da poda, mas treinador que ganha mais é o que ouve uma voz interior - é ela que às vezes decide um jogo. Lembro-me de ouvir na TV a história dum penálti falhado por Oliveira contra o Sporting: Pedroto mandou Romeu colocar-se à entrada da área em posição diferente da habitual; Oliveira marcou, Vaz defendeu, Romeu fez a recarga vitoriosa por estar lá. Dum posto de vista mágico-intuitivo, Pedroto ouviu a voz interior, mas dum ponto de vista científico fez um cálculo de probabilidades sobre cenários possíveis.
Também na TV, Costinha contou que Mourinho tardava a anunciar os titulares antes do lendário jogo contra o United para a Liga dos Campeões. Até que, no estágio, perguntou a Carlos Alberto se já tinha ouvido falar de Scholles. Resposta do novato: o problema não era ele ter ou não ter ouvido falar do Scholles, mas sim o Scholles ter ouvido falar do Feijão - a sua alcunha. A bravata do brasileiro foi premiada ali mesmo: Feijão seria titular, além de Costinha, o resto ver-se-ia depois. O FCP afastou o Manchester e o Corunha, e Feijão marcou ao Mónaco na final. É neste caldo de conhecimento técnico e intuição que se diploma um treinador, mas o bluff pertence ao foro da insolência criativa. Só que, um dia, o truque esgota-se e o treinador tem que mudar de ares - tudo muda, até o ar.
Sérgio Conceição enraizou-se no ar do Dragão e começou uma inaudita sexta época. Tem feito milagres num clube grande obrigado a portar-se como pequeno pelos ditames da indústria da bola. Qualquer jogador que faça brilhar é prata batida no mercado. As temporadas de sucesso são as piores. Tal como no mito de Sísifo, empurra o calhau encosta acima durante um ano para rolar encosta abaixo no defeso, pela cláusula ou não. Monta uma equipa vitoriosa para desmanchar no fim e começar de novo. O adepto depara-se com um paradoxo: quer artistas mas reza para que não exagerem no brio senão marcham em Janeiro, já que a Junho não escapam. E o mago que resolva o forro da cartola.