PLANETA DO FUTEBOL - Um artigo de opinião de Luís Freitas Lobo.
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1 Quando, nos anos 80, uma equipa de sonho do Flamengo chegou a Tóquio e com um futebol encantado de passes, drible e remates derrotou (3-0) o grande Liverpool várias vezes campeão europeu, com Dalglish, Souness, McDermott e até o exótico Grobbelaar na baliza, o treinador inglês Bob Paisley, reconhecendo a justiça do resultado, disse no fim que "o problema é que vocês não jogam, vocês dançam, e esse tipo de jogo nós não conhecemos!"
Aquela equipa do Flamengo não tinha, taticamente, nada de revolucionário. A tática era a... técnica que soltava os jogadores do meio-campo para a frente, com Zico a desenhar as jogadas tabelando com Andrade e Adílio.
Os três formavam um meio-campo de luxo. A bola sorria nos pés de todos eles e chegava redonda ao ataque onde Tita e Lico moviam-se para libertar o forte ponta-de-lança Nunes, possante no ataque à profundidade. Na defesa, Leandro e Júnior eram os "xerifes" e o jovem Mozer estava a aparecer como "zagueiro do futuro", ao lado de Marinho. Uma equipa que até hoje faz o imaginário dos adeptos voar.
Por isso, naquela afirmação de Paisley estão sinais de "futebol-arte canarinho" de outros tempos. Usando uma imagem engraçada, ele dizia como o futebol brasileiro tinha nessa altura uma aura quase mística para os europeus mais devotos do lado atlético do jogo.
Até hoje, esse Flamengo de 1981 continua a ser a maior equipa de culto do futebol brasileiro. A conquista dessa Taça Intercontinental, antecessora do Mundial de Clubes (jogada num jogo apenas, América do Sul-Europa), continua a ser única.
A derrota esta semana frente ao Al-Hilal saudita, devolveu a atual equipa de 2023 a um lugar meramente interno na história. Mais do que as tão criticadas opções de Vítor Pereira ao tirar Arrascaeta, o grande organizador de jogo que ilumina a equipa, e depois Everton Ribeiro, quando perdia (em inferioridade numérica), toda a equipa já revelara desde início muitas deficiências na abordagem ao jogo.
2 Este novo desaire de uma equipa brasileira no Mundial de Clubes, sem conseguir sequer chegar à final, reacendeu, porém, o debate sobre qual a verdadeira qualidade do futebol brasileiro em confronto com equipas de outros continentes.
Mais do que o futebol brasileiro, vejo como maior causa do problema o jogador brasileiro que, no plano da competitividade no jogo, concentração e estimulo tático, não cresce dentro da realidade competitiva dos seus gramados internos como outros jogador brasileiros crescem nos relvados europeus. Isto é, o jogador brasileiro tem um ego insuflado pela diferença que sente a sua qualidade fazer nas competições internas, mas não estabelece depois esse "transfer" para uma realidade de confronto internacional onde o nível de exigência dos desafios aumenta. Apesar da presença dos treinadores estrangeiros, como recentemente Jesus e Abel, terem dado uma maior concentração competitiva (contra Liverpool e Chelsea), tal não representa um cenário global. Foram jogos muito específicos para uma realidade estratégica de 90 minutos. O problema é mais profundo.
3 O complexo de superioridade que insufla o jogador brasileiro retira-lhe foco competitivo para acompanhar esta subida de exigência a todos os níveis (tática, técnica, mental e atitude). Basta muitas vezes ver as suas reações (entre a revolta ou a impotência) perante a adversidade que não estavam habituados a encontrar, para se perceber como o centro do problema não está no plano de jogo que é feito nem no caos estrutural que o futebol brasileiro tem na organização das suas competições. O fator chave está no jogador que não percebe (até menospreza) a diferente realidade competitiva que essas outras equipas lhe colocam, muito diferente até do cenário da Libertadores. Por isso, vejo o problema mais no comportamento do jogador brasileiro (insuflado internamente) do que no jogo do futebol brasileiro (com qualidade mas sem intensidade competitiva, mentalidade e atitude).