PLANETA DO FUTEBOL - Opinião de Luís Freitas Lobo
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1 - Da mesma forma que antes todos olhavam para o n.º 10 como o grande diferenciador criativo da equipa, os novos tempos do jogo remeteram-no mais para a faixa e consagraram a posição n.º 6 pivô, médio-centro à frente da defesa, como o lugar taticamente mais importante do futebol moderno (ponto de equilíbrio coletivo-defensivo e referência na primeira fase de construção).
Foi entre eles que nasceu o híbrido n.º 8, por se lhe pedir tantas coisas diferentes: sem bola, ajudar o n.º 6 a defender, pressionar para a recuperar, e, em posse, sair para o jogo e chegar à frente, ao espaço "10".
No fundo, quase lhe exigem, alternadamente, as duas coisas que os especialistas 6 e 10 tinham. Tudo isto tem, claro, variantes táticas, mas com a crescente importância desta múltipla missão, esta posição tornou-se a mais importante no coração de uma equipa. Ela está no centro de todas as transições. Defende/fecha, ataca/transporta.
Por isso, tornou-se também a mais difícil de contratar porque encontrar jogadores que garantam eficácia nas tais diferentes missões a executar não é fácil.
2 - A exigência aumenta quando uma equipa joga com o meio-campo "a dois" - casos do Benfica e do Sporting, por raiz, e do FC Porto, preferencialmente. Entendem-se, assim, as dificuldades que atualmente todos sentem para definir essa posição.
O Sporting busca um reforço com esse poder polivalente (perdeu Ugarte, que vinha de n.º 6 para subir por todo o corredor interior) e o FC Porto busca definir de trás para a frente a saída e pressão alta que tinha com Uribe. É uma questão tática que tem de resolver a partir da posição n.º 6, pelo que se entende insistir tanto em ter Varela, podendo Nico González ser o n.º 8.
O Benfica procurou encaixar Aursnes no duplo pivô com Kokçu, mas, apesar de manter vocação ofensiva, faltam-lhe as rotinas defensivas para fazer a posição. Numa equipa que parecia já afinada, bastou criar dívidas nesse espaço/posição para tudo tremer (pelo processo defensivo).
3 - Questionar um jogador como Aursnes que na época passada foi dos mais importantes taticamente do onze, porque saiu da anterior posição de falso ala e ressentiu-se tanto ao passar para o meio, é a prova indiscutível da importância primordial da posição e de como o muito que se lhe exige, torna-a a mais difícil de resolver/contratar.
Ali não se pode falhar na escolha. Se falhar, a equipa toda sofre com isso como em mais nenhuma posição, onde um menor acerto não provoca tantos danos táticos coletivos.
No caso especifico "encarnado", a solução para resgatar equilíbrio sem bola/defensivo é meter um n.º 6 especialista, Florentino. No FC Porto e Sporting, sem essa solução, a resolução é mais complicada e a busca pelo n.º 8 que liga "6-10" continua.
Reunião de condomínio tático
No meio do emaranhado de habitantes que se tornou o meio-campo, não espanta que os mais criativos tenham tendência a sair dessas reuniões táticas de condomínio e vão viver para outro sítio. Por vontade deles ou dos treinadores, passam a jogar sobre a faixa e, assim, exemplares como Otávio e João Mário (de características diferentes) fizeram essa mudança e encontram maior qualidade de vida em campo. Para criar ou para organizar.
O problema é que enquanto não se arrumar a casa tática interior, pode ser que alguns deles tenham de lá voltar. O irónico é que em vez de para serem o que eram na origem com liberdade, é para serem essencialmente gregários para resolver os problemas dos outros (que é, afinal, o problema da equipa). Sucede com Otávio. Voltar para o meio desta vez não significa a expressão de troca posicional (de fora para dentro em diagonais) que faz até mudar o sistema ou fixar-se por opção, para criar, a n.º 10 (transformando então mesmo a estrutura).
Desta vez, significa comissão de serviço tático porque com tantos fundamentos de jogo que tem ele é, potencialmente, o melhor n.º 10 que Conceição terá à disposição (o melhor 10 e falso ala, também).
Ou seja, há momentos em que um jogador só quer mesmo ficar sozinho em casa (a sua casa tática).